Sonho de infância: morar num sobrado
Eu devia ter oito ou nove anos. Os Simpsons fazia parte do meu catálogo de desenhos favoritos. Talvez por isso, um dos meus maiores sonhos era morar em uma casa com escada.
Eu a imaginava exatamente como no desenho: dois andares, rosa, com os quartos e banheiro no andar de cima; pela manhã, desceria escorregando no corrimão, iniciando, assim, um dia feliz. Várias e incontáveis vezes, pedia ao meu velho: "pai, vamos fazer uma escada aqui em casa, quero tanto morar em um sobrado!" Meu pai, sabiamente, dizia: "filha, isso nunca me passou pela cabeça. Casa com escada é inútil; quando eu chegar à velhice, como subirei?"
Sua justificativa não me convencia, muito me chateava, e eu seguia imaginando a nossa casinha rosa.
O que eu não supunha era que, não passados muitos anos, seu discurso ganharia forma. Gradativamente, sua enfermidade o impediu de realizar feitos comuns, tais como, subir o mísero degrau para a entrada da nossa sala. Todas as vezes que via essas simples mudanças - um degrau transformar-se em rampa - eu pensava: "é, meu pai estava certo; nosso sobrado seria inútil e desfeito se o tivéssemos".
O fato é que, quando penso sobre as trivialidades que meu pai argumentava, eu vejo o tanto que ele me ensinou. Não só como pai, mas como um instrutor, um sábio que escolhia a simplicidade para significar este enigma chamado vida. Muitas vezes, quando quis procurar respostas prontas e imediatas para minhas angústias, dúvidas e dissabores, eu refletia sobre os ensinamentos do meu velhinho.
Eles serviram não só como consolo, mas como esperança para os dias vindouros. Não possuo a arquitetura desejada, mas sei que, se algum dia eu vier a construí-la, muitas coisas serão reavaliadas e os materiais não serão unicamente concretos; ganharão, também, aliados abstratos