COR DA PELE

Esta aconteceu em meados da década de cinqüenta numa bucólica cidade interiorana. As cinco esposas reunidas na casa de um dos casais - ponto habitual dos encontros de final de tarde - refogavam as fofocas do dia, à espera dos maridos que ali chegariam para o chimarrão litúrgico após o expediente. Falavam sobre tons de pele, quem bronzeava, quem não bronzeava, quem tinha a pele mais alva, mais sensível. É preciso dizer que um dos casais era de negros, que hoje ensinam a chamar de afro-descendentes, como se negro não fosse palavra adequada para designar uma bela raça - se é que ainda seja possível vislumbrar diferenças entre negros, amarelos, brancos ou seja lá o que for. Convém recordar que ainda existia segregação racial institucionalizada nos Estados Unidos da América. Tive e tenho amigos negros, judeus, árabes, já testemunhei (e involuntariamente protagonizei) situações de algum embaraço ou engraçadas. Aliás, com mãe portuguesa, passei a vida inteira ouvindo as tradicionais "piadas de portugueses", tão ao gosto nativo. Mas nada invalida o humor inerente a certas ocorrências absolutamente verdadeiras e que parecem surreais. Bem, aconteceu de algumas dessas comadres resolverem ir ao mercado, permanecendo na casa outras duas ou três, aprofundando o debate sobre quem teria a pele mais branca. Finalmente, restaram apenas duas esposas tagarelando, uma delas já entretida com a leitura do periódico Diário de Notícias, de grande circulação à época. A dona da casa, enquanto a amiga atolava-se na coluna social, decidiu ir ao banho. Lembrou-se a leitora, no entanto, que também precisava socorrer-se do mercadinho, e saiu. Tão logo deixou a casa, chegou o primeiro dos maridos, no caso, o distinto negro. Abancou-se como de costume e mergulhou no Diário de Notícias, que encontrara à feição sobre o sofá. Vocês sabem, naquele tempo, os jornais eram compostos de folhas muito grandes. Recém saída do banho, a anfitriã resolveu correr até a sala e provar à amiga teimosa tudo quanto dissera sobre o descolorido da sua intimidade: postou-se à frente de quem lia o jornal e, escancarando o roupão, mostrou ao compadre negro espantado: "Olha só como eu sou branca!"

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 23/12/2007
Reeditado em 11/11/2017
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