O VIZINHO TARADO

O Novo Dicionário Aurélio define a palavra "tara" como sendo "falha, quebra, defeito físico ou moral, degeneração, depravação". Como o vocábulo tem sentido mais amplo do que o estritamente sexual, pode-se dizer que se estende também a anomalias psíquicas e comportamentais diversas. Bem, tive um vizinho que, à mesa de um bar, confessou-me sua tara. Uso a expressão "tara", porque foi bem assim que designou a sua mania singular. Disse-me que tinha um prazer secreto, talvez sádico, de fechar a porta do elevador e subir ou descer sozinho, enquanto a patuleia acelerava o passo, esbaforida, atirando-se para também pegá-lo, especialmente em horários nobres. Talvez fosse uma espécie de "desforra social". Enfim, adorava fazer-se de distraído e puxar a porta da "gaiola", especialmente quando outros concorrentes vinham chegando à distância, já apressando o passo, às vezes aos gritos de "sobe" ou "desce". Seus olhos brilhavam com indizível prazer, enquanto me descrevia cenas e situações. "Sim, meu caro, eu confesso: sinto um friozinho agradável, um mini orgasmo, quando ando sozinho de elevador, sabendo que outros ficaram na saudade". Surpreso, perguntei-lhe se não fazia muitas inimizades no prédio e nem lhe doía a consciência. Explicou-me que não tinha em mente prejudicar quem quer que fosse, apenas curtia o deleite de uma inofensiva disputa social no meio urbano; uma forma lúdica de combate e contestação ao sistema, um breve freio à ansiedade. Pior os vizinhos chatos, reclamões, arrogantes ou inadimplentes. Assegurou-me, também, que nunca "dera bandeira" e sempre conseguira disfarçar, até mesmo forçando gestos mais largos de gentileza, quando suas manobras restavam infrutíferas e a companhia mostrava-se inevitável. Acabei dando boas gargalhadas, porque o sujeito era bom caráter e simpático, enfim, um genuíno "détraqué", e mudamos de assunto. Dias depois, fechei a porta do elevador do prédio sem me dar conta de que chegava um bando de adolescentes gritões e apressados e consegui subir sozinho, na santa paz. Confesso que passei a entender melhor o vizinho tarado.

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 21/12/2007
Reeditado em 24/11/2019
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