O ARTISTA E O MONSTRO ( CASO REAL )
A irmã de um amigo, que mora em Floripa, é pessoa especialíssima. Sofre de retardo mental e apresenta pequenos problemas físicos que não lhe exaltam a aparência. Mas é uma criaturinha adorável, de bom convívio. Estudou até alfabetizar-se e mais não pôde. Hoje é mulher madura, de cabelos prateados, com um morno olhar de anil. Nunca teve namorado e nem experimentou os abalos sísmicos de um beijo apaixonado. Chama-se Cristina. Sua vida é a Rede Globo e suas novelas, onde costuma projetar-se nas tramas e personagens, com impressionante intensidade. Ao longo de todos estes anos, foi construindo paixões, simpatias e desencantos, tal como qualquer um de nós no mundo real. Para Cristina, realidade e fantasia não se distinguem muito bem. Há anos, é fiel a uma paixão por veterano galã da telinha. Quase uma relação estável. Em outros tempos, lá pelos seus vinte e poucos,outro personagem exuberante roubava-lhe o coração indefeso. Esse artista, hoje beirando a casa dos setenta e ainda luzindo na telinha, certa feita foi apresentar-se na cidade em que esse amigo residia com a família. Era uma peça badalada. Uma prestativa tia propôs à jovem que fossem conhecê-lo, quem sabe até obter-lhe um autógrafo ou, suprema glória, palavras de simpatia. Foram, Cristina em seu vestido mais bonito, o coração de fã aos pulos. Após o espetáculo, já nos camarins, a bondosa senhora abordou o galã, explicando-lhe rapidamente o caso e solicitando atenção. Pois o célebre indivíduo, esplendoroso em sua vaidade estelar, ao ser apresentado a Cristina, não se dignou a prestar-lhe a mínima atenção, tratando-a com olímpico desdém. Assim rejeitada, até hoje, passados muitos anos, Cristina não consegue assistir a nenhuma cena de tevê em que a figura dá o ar de sua graça senil. Nem lhe registro o nome, porque o conheço pela forma como ela passou a chamá-lo : o monstro.