NATAL EM FAMÍLIA
Morava no interior, família ainda pequena, mas o Natal era grandioso e sagrado, com todos os seus ritos e fantasias. A horas tantas, chegava Papai Noel com a tradicional vestimenta, barbas brancas de algodão, botas, máscara de bom velhinho e a cobiçada sacola de presentes. Batia certo medo, aguçado pela expectativa da espera. Tocava-lhe a dura pele do rosto fictício, desconfiava, mas aquela voz estranha e possante restituía-lhe temporariamente a credibilidade. Perguntas, conselhos, a intervenção constante dos pais, tudo contribuía para um clima de respeito e mistério. É bom explicar: não havia televisão, a cidade era muito pequena e a gente confiava cegamente nos pais. Aliás, a lenda natalina, até hoje, é quase questão de fé, cultivada, insuflada e usufruída pelo mundo adulto, com aquele conhecido tempero do comércio. Mas o olhar agudo do menino percebia uma falha aqui, um desacerto ali e até uma fala mal colocada, que reavivava o incômodo da descrença intuitiva. Finalmente, os presentes. Ganhava-se o prometido, às vezes uma surpresa - não tão grande, pois fruto de desejos já manifestados, o que também levantava suspeita. Meu aniversário tinha sido poucos dias antes e aí o grande prejuízo por várias décadas. Metade do que eu queria já havia recebido. Ficava certa sensação de logro, de injustiça: chuteiras no aniversário, calção e camiseta do Grêmio no Natal. Mas isso não era tão importante naquele clima de festa e alegria, com os adultos muito arrumados, desfilando seus melhores trajes, sorridentes, bebericando enquanto aguardavam a ceia farta. Durante o dia, acompanhara a empregada dando cachaça ao peru garboso para amaciar-lhe a carne com que nos deliciaríamos à noite. Também acompanhara a recepção dos presentes ao pai, médico da região: galinhas, inclusive cacarejantes, porquinho assado de cinema, doces, embutidos diversos e cestas de natal em vime, com acepipes e bebidas, que não me diziam nada, mas que eu achava lindo. Era assistente privilegiado dos preparativos e protagonista principal na cena com Papai Noel. Meus pais me asseguravam que ele era de verdade, apesar das minhas dúvidas. Tive conflitos com amigos que já não mais acreditavam no velhinho. Não podia duvidar da palavra paterna, que era a lei das leis, a norma fundamental. Quando, mais tarde, descobri que era apenas uma boa alma de aluguel ou de um vizinho prestativo, acho que me tornei adulto ou um menino mais crítico. Mas eram outros tempos. A liturgia não mudou nos dias atuais: é uma historinha interessante e benéfica para os pequeninos, como meu netinhos, por exemplo. Faz parte de uma grande encenação de amor e de aproximação. Mas não são todos os que acreditam mesmo em Papai Noel. E nem ele acredita muito na gente, o que é pior. Seja como for, vale sempre a reunião especial da família, o reencontro, a confraternização, a maravilhosa comida e o brilho do olho infantil. Afinal, a criança é o maior encanto natalino.