Uma Vida de Circo XV

A PRIMEIRA DECEPÇÃO

Numa tarde chuvosa, destas em que a gente fica mais melancólica, eu estava na casa da fazenda sozinha. A lida do dia tinha terminado. Na roça janta-se muito cedo. Aí bateu-me uma grande saudade do circo!

Eu havia trazido numa grande mala as lembranças do Circo: meus retratos, recortes de jornais onde eu era destaque como artista, os meus scripts, partituras de músicas, poesias, meus cadernos, a minha história e tudo mais. Ali eu também guardava as minhas personagens! Aquela mala era o meu tesouro. Estava distraída, olhando tudo aquilo e chorava.

Ouvi passos fortes pela casa. Tive um sobressalto. O fazendeiro foi entrando violentamente quarto a dentro.

Perguntou-me:

- O que está fazendo aí? Por que choras?

- Não é nada, apenas recordações.

Disse ele aos gritos:

- Vou dar um sumiço nestas recordações!

Como um furacão, pegou a mala como se ela não pesasse nada e levou-a para uma coberta que existia no fundo da casa. Chovia muito. Ele foi tirando objeto por objeto e colocando no chão. Eu, passivamente, acompanhava com os olhos todo aquele ritual. Quando riscou um fósforo, tremi toda. Fez uma pequena fogueira. Fiquei ali parada sem dizer nada, olhando as chamas que queimavam todas as minhas ilusões e minhas fantasias. Era o meu circo que, de novo, pegava fogo! Doeu muito e muito chorei!

Dali em diante começou a minha desilusão. Tinha quebrado o meu encanto. O arrependimento falou alto. Eu fui vivendo aquela vida insípida, monótona. Os anos se arrastavam lentamente. Não tinha motivação para mais nada. Não era mais aquela artista alegre, cheia de vida, que vivia cantando.

O Circo ficou sendo uma lembrança viva. Aquele homem em que eu depositei minhas esperanças não fazia nada para compensar. Era por demais ciumento e me fazia prisioneira do seu amor. Eu nunca podia sair de casa, a não ser com ele.

Eu me perguntava:

- Em que picadeiro ficou perdida a minha arte!

Eu quis tanto sair do Circo. Ele nunca saiu de mim!

(Do livro “Retalhos de Uma Vida” - de Aparecida Nogueira)

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 20/12/2007
Reeditado em 21/12/2007
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