Uma Vida de Circo XIV

A fazenda

Era uma casa assombrosamente grande, pintada de amarelo forte, com uma escada de pedras e grandes janelas de madeira pintadas de azul. As paredes eram muito altas com forro de esteira, piso de tábuas. Os móveis eram grandes, bancos encostados nas paredes, os adornos eram selas, cangas, rédeas, cabrestos pendurados nos portais, os quartos eram muitos. O que estava preparado para nós era muito grande. Tinha um catre com gordo colchão de palhas, colchas tecidas em tear, muito limpas. Uma mesa encostada em um canto e uma grande canastra onde se guardavam as roupas. Descendo em uma escada de madeira, chegava-se à cozinha que era exageradamente grande. Tinha um fogão no meio com grandes panelas de ferro muito pretas cheias de comida. Em cima do fogão havia um varal com lingüiças, toucinho, carne, tudo pendurados. Havia muitas prateleiras. A despensa lotada de mantimentos parecia um armazém.

- Esta agora é sua casa, disse-me ele.

Eu não acreditava no que estava vendo. Parecia um pesadelo. Perguntei à Bárbara onde ficava o banheiro. Ela não entendeu. Aí eu expliquei que queria fazer xixi.

- A casinha fica lá perto do corgo. Eu ensino o caminho para a Sinhá.

Aquela escuridão me amedrontava.

A noite foi tranqüila. Ao amanhecer, quando acordei, o fazendeiro não estava na cama. Levantei-me às pressas. Tinha grande curiosidade em conhecer tudo e estava muito intrigada com um mal cheiro constante no ar. Perguntei à Bárbaro o porquê daquele cheiro esquisito.

- Sinhá, é o chiqueiro ali ao lado, onde estão os porcos para engordar, disse-me dando uma risada.

Corri para ver. Fiquei admirada. Nunca tinha visto coisa igual: em um cercado os porcos nadando no barro.

O curral ficava bem à frente da casa. Nesta hora da manhã, ordenhavam-se as vacas. O fazendeiro gritou para mim:

- Chega pra cá. Traga um caneco. Venha beber um pouco de leite.

Tudo pra mim era novidade, mas não estava gostando nem um pouco de tudo que via. A idéia era outra.

Tomando mais conhecimento do lugar, cheguei a um cobertão onde havia uma moenda no meio, com um junta de bois presos numa canga e andavam em volta.

Perguntei ao camarada:

- O que é isto?

- É o engenho onde se mói a cana para fazer a rapadura.

- Ah! Muito interessante!

Na hora do almoço, quando cheguei à cozinha, Bárbara colocava numa grande gamela muita comida e, em volta da gamela, colheres, uma cabaça com água e uma caneca de folha pendurada.

Disse-me:

- Vou levar o almoço pros camaradas.

Eu não acreditava no que via.

- Vão comer todos juntos, numa vasilha só?

- Sim, Sinhá.

Pra mim era uma coisa estranha.

O fazendeiro, logo depois do almoço, deu algumas ordens e saiu dizendo que tinha negócio a tratar no arraial e passou o dia fora.

Chegou a noite. Bárbara, cansada foi dormi. Eu fiquei sozinha naquela casa grande e escura. Eu era muito medrosa. Não estava acostumada a ficar sozinha. Aquele silêncio me apavorava.

O fazendeiro só chegou altas horas da noite. Eu não disse nada. Ele não parecia nem um pouco preocupado por me ver ainda acordada à espera dele. Era lamentável, pois ainda estávamos em lua-de-mel.

Eu pensava:

- Que estranha maneira de gostar deste homem!

Mas este era o jeito dele e eu tinha que aceitar.

- Quem sabe que, com o tempo, ele muda.

Eu tinha apostado tudo naquele casamento.

Os dias foram passando e até que eu me acostumasse com aquela vida pacata ia demorar muito.

Eu pensava:

- Que ilusão! O circo era bem melhor!

As pessoas, para dar valor às coisas boas da vida, têm que ter passado por contratempos e privações. Para se levantar com mais vontade, tem que ter caído fundo, conhecido o ruim, o pior. Quem sempre viveu em mar de rosas, não enriqueceu o seu espírito. Os grandes gênios do mundo vieram da pobreza. A vida é um constante aprendizado.

(Do livro “Retalhos de Uma Vida” - de Aparecida Nogueira)

Publicado com a autorização da autora.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 20/12/2007
Reeditado em 20/12/2007
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