Uma Vida de Circo XII

Começou para mim a tortura da incerteza. De um lado o casamento, a segurança, o futuro, um lar, o amparo. Do outro lado meu querido circo, a alegria, os aplausos, minha carreira, minha mãe, os colegas. O que fazer? Perdi o sono, só pensando, pensando.

Ao fim de três dias, o fazendeiro veio saber a resposta e, para surpresa minha e de todos, dei o meu sim. Disse-lhe:

- Pode começar a preparar os papéis.

Eu não conhecia nada daquele homem. Era uma aventura. Ele ficou muito satisfeito. Conseguiu o que queria. Ficamos noivos sem festas, sem cumprimentos. A notícia de meu noivado no circo foi como uma bomba. Ninguém acreditava. Minha mãe chorava muito. Todos choravam. O Diretor do Circo disse para mim:

- Lourinha, minha filha, que loucura é esta? Pense bem no que você vai fazer. Você é muito nova. É uma artista e tem uma carreira pela frente. Pense em sua mãe. Você é totalmente diferente do fazendeiro. O circo não sobreviverá sem você.

Respondi chorando:

- É verdade, mas é minha oportunidade. Já decidi. Vou me casar com o fazendeiro, apesar de não estar apaixonada. É um sonho.

Ele me deu um beijo e disse:

- O circo vai embora. Não vamos ficar para assistir ao seu suicídio.

Eu, corajosamente, fiquei sozinha, em casa de uma recente amiga, para os preparativos para o casamento. todo o meu guarda-roupa era confeccionado por mim. Só vestia seda.

No circo, na hora da minha despedida, todo mundo chorou

Foi a maior tristeza da minha vida

No circo meu coração ficou.

O casamento

O mundo estava em plena guerra em 1942 e dentro de mim uma revolução.

Era um grande acontecimento naquele pequeno arraial, a loura artista do circo ia se casar com o famoso fazendeiro peão de boiadeiro, Antônio Nogueira. Eram duas coragens que se juntavam, totalmente diferentes uma da outra. Um choque social. Ele gostou daquela artista bonita e nova. Fazia bem ao seu ego, acostumado a ter tudo que desejava, por ser rico, solteirão traquejado e cobiçado. Já tinha sido noivo muitas vezes.

Ela por ver naquele fazendeiro uma chance de sair daquela vida de judeu errante. Desejava ter um lar fixo, criar filhos e raízes e ser feliz!

As famílias de ambas as partes não concordavam de jeito nenhum. Do lado do fazendeiro, o preconceito com o circo era muito grande. Diziam:

- É uma moça do mundo, pobretona, sem berço e sem tradição.

A discriminação era tanta que os irmãos dele diziam querer vê-lo morto do que casado comigo.

O fazendeiro era um homem determinado. Não dava ouvidos a ninguém. Estava apaixonado e ia se casar.

Ninguém foi convidado para o casamento, exceto os quatro padrinhos.

Mesmo assim, a notícia correu e a igreja ficou lotada de curiosos.

O padre que até então tinha feito muitas práticas e sermões falando para o povo não ir ao circo que era coisa do demo, que as mulheres eram escandalosas, mostravam as pernas e tal e coisa, celebrou o casamento com uma bonita cerimônia, numa linda manhã do mês de maio.

Naquela igreja terminou a carreira daquela artista, a Loira do Circo. Foi sua última apresentação em público.

(Do livro “Retalhos de Uma Vida” - Aparecida Nogueira)

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 18/12/2007
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