Uma Vida de Circo V

E vieram outras apresentações. Meu padrasto cada vez mais rigoroso nos ensaios. Eu tinha que ser a melhor. Aprendia todos os números. Fiquei sendo no circo uma espécie de coringa, substituindo faltas até mesmo do palhaço. Eu não gostava do trapézio, porque tinha medo de cair. Meu padrasto não deixava colocar rede de proteção, dizendo que era mais emocionante.

No contorcionismo, eu teria que fazer contorções que nenhum artista jamais tinha feito, para ser a única no gênero: em cima de duas cadeiras separadas, com cada pé numa cadeira, eu me envergava para trás com as mãos na cintura e pegava o lenço com a boca no meio das cadeiras. Voltava, depois, devagarinho, à posição vertical. Tudo isso ao som do rufar dos tambores. Era emocionante, mas muito difícil.

Vendo que já éramos boas artistas, meu padrasto palhaço assinou contrato com outros circos. Fazíamos a primeira apresentação no circo em Madureira, onde morávamos. Em seguida, embarcávamos num trem subúrbio e fazíamos outra apresentação num circo de uma cidade vizinha. Não tínhamos tempo nem de trocar de roupa. Colocávamos somente uma capa nos ombros. Isto era quase todas as noites. Voltávamos para casa de madrugada. Essa maratona durou meses. Tudo no comando do palhaço Pindoba que gastava os cachês.

(Do livro “Retalhos de Uma Vida” de Aparecida Nogueira)

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 15/12/2007
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