A poucos instantes
Sentado no sofá ouvindo música na nova vitrola. Stan Getz. A poucos instantes atrás, digo, antes de iniciar esse texto, eu me encontrava completamente travado, bloqueado, nu, incapaz de criar uma única frase que fosse. Foram meses sem rabiscar uma mísera palavra. Tamanho o desespero que passei os dias de entrave, desde que a musa se foi, pensando, ponderando o quanto poderia ser bom dar uma de Rimbaud (à parte os mesmos pendores poéticos, que obviamente não os tenho) e de uma hora para outra deixar de insistir em borrar o papel com as benditas mal traçadas linhas.
Tudo bem que, escrever para esse penejadorzinho aqui, sempre foi mais um processo terapêutico do que qualquer outro coisa. Assim como também é óbvio que tenho lá as minhas vaidades, que gosto de ser elogiado por um possível texto bem escrito, senão, não os publicaria, não os mostraria a ninguém. Contudo, será que o sofrimento causado pelo desaparecimento repentino da inspiração, não ultrapassa tais alívios e prazeres trazidos pelas suas fortuitas visitas?
Salinger, após Receber o Apanhador do Campo de Centeio, parou de publicar. Parou, não parou? Pois bem. O Nassar também foi outro que, findados o transe do Lavoura Arcaica e do Copo de Cólera, também largou de mão a caneta. Largou, não largou? Então, porque eu, um mero rabiscadorzinho, sem nada vultoso publicado, a quilômetros de distância da destreza literária desses gênios, não dou logo um basta nisso tudo, nessa pulsão de escrever, e coloco um ponto final em toda essa agonia, desta vez abandono a musa primeiro, antes que ela me deixe novamente?