O para-choque da Kombi é o joelho do motorista (eta carro problemático!)
O para-choque da Kombi é o joelho do motorista (eta carro problemático!)
Márcio de Ávila Rodrigues
(escrito originalmente em 2012, mas ainda vale enquanto houve uma kombi circulando nas ruas brasileiras)
O telejornalístico Bom Dia Minas, de 10/11/2011, anunciou que “uma Kombi pegou fogo e parou o trânsito da Avenida Nossa Senhora do Carmo”, em Belo Horizonte, o que causou um “engarrafamento que reflete desde o centro da cidade”.
O caso serviu de exemplo para introdução e argumentação, é um entre incontáveis outros pois a Kombi é um automóvel frequentemente envolvido em acidentes, por mau uso como também pela fragilidade do modelo.
Tem a fama de sofrer, com frequência, incêndios espontâneos, o que não parece simples boato: o site www.flashbackers.com.br atribuiu o problema a um passa-fio existente na parede entre os compartimentos de motor e de passageiros, por onde passava o grosso cabo que levava corrente elétrica para o motor de partida.
Sua arquitetura o torna perigoso em caso de batida frontal pois a frente se resume a uma chapa de lataria, o que gerou uma antiga brincadeira: o para-choque da Kombi é o joelho do motorista. O que inclui o joelho do eventual passageiro do banco da frente.
Ademais, encontrar alguma Kombi parada em qualquer cidade brasileira, com defeito mecânico, atrapalhando o tráfego, é coisa de rotina.
Aqui a explicação é geralmente outra: o elevado percentual de veículos velhos e mal cuidados.
O caso mais típico que conheci foi o do veterano seu Zé da Kombi, que sobrevivia na década de 1990 fornecendo serragem para os cavalos do Hipódromo Serra Verde.
(O hipódromo já desapareceu e deu lugar para a atual Cidade Administrativa, sede do governo mineiro.)
Seu Zé circulava com o seu cacareco pelos bairros do distrito de Venda Nova, comprando ou ganhando raspas das serrarias que ensacava e entregava no hipódromo um a preço que parecia insuficiente para o seu sustento – pelo menos era o que indicava o estado precário de sua Kombi.
Por onde trafegava certamente punha em risco pedestres e os demais carros, mas estava sob o olhar complacente dos moradores e autoridades, apiedados com o esforço dele (e de qualquer trabalhador braçal humilde) pela sobrevivência.
O mesmo site citado (flashbackers) conta a história e analisa as características da Kombi, claramente um modelo antigo que já deveria ter saído das linhas de produção, mas que ainda é popular e é fácil de entender o porquê.
Por possuir um grande espaço interno, inteiramente coberto, que protege o interior de chuva e dificulta o acesso de mercadorias aos ladrões (ao contrário das carrocerias abertas), é uma ótima opção para pessoas mais simples fazerem pequenos serviços.
Mas o grupo socioeconômico que tem Seu Zé como membro certamente ganha pouco e não sabe administrar finanças pessoais, e a manutenção de um veículo automotor se torna uma dificuldade, em muitos casos uma impossibilidade.
E a experiência de vida me ensinou que tais veículos são, com elevada e assustadora frequência, dirigidos por motoristas ruins, um risco em potencial para o tráfego e para os pedestres.
E o viciosíssimo ciclo se fecha: os motoristas/proprietários ganham mal e não investem na manutenção do equipamento nem na melhoria de sua própria qualidade de vida, realimentando o círculo.
Sobre o autor:
Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).
Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.
Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.