A CRUZ DO DESERTO

Na pacata cidade de Itabaiana na Paraíba, terra onde nasceram grandes vultos da sua história conhecidos nacionalmente e internacionalmente, como o Poeta Zé da Luz, o grande cineasta Vladimir Carvalho, O jornalista Abelardo Jurema, o músico Severino Dias de Oliveira, internacionalmente conhecido como Sivuca, o artista plástico de renome internacional Otto Cavalcanti, entre tantos outros, tive eu a alegria de também ter nascido lá.

Carrego a certeza de ter dado minha humilde parcela de contribuição para a cultura daquele povo, como também outros grandes artistas e amigos meus, que ali viveram em seus primeiros passos no caminho da arte, como Paulo de Lira e Isaias Alves (Zaia), ou até mesmo por se sentir atraído pela magia da Rainha do Vale do Paraíba, ali se radicalizar com o poeta Jessie Quirino.

Como em outras cidadezinhas de interior, em Itabaiana incríveis histórias acontecem. Lendas e contos se formam a partir da fé e da crença na cultura que o povo cultiva e que passa de uma geração para outra, sem perder os valores de suas raízes.

Minha mãe, Maria da Soledade Alves (Dona Soledade), tinha uma pequena fazenda, num distrito de Itabaiana chamado Caldeirão, cerca de três quilômetros de distância da cidade. Lá nós passávamos a maior parte do tempo, curtindo aquela simples vida de interior. Me encho de saudades, cada vez que lembro daquele saudoso lugar. Foi lá que eu e meus doze irmãos aprendemos no nosso cotidiano, estórias incríveis que ouvíamos nossa querida mãe contar.

Naquele tempo, pelas décadas de 1950 e 1960, ainda não havia chegado energia elétrica na zona rural. O povo do sítio, utilizava para a iluminação durante a noite, o lampião a querosene, chamado candeeiro. Na emergência quando faltava combustível, utilizava-se as sementes de carrapateira, pilava os grãos num pilão, fazia uma pasta e tirava o óleo para o combustível da lamparina.

Nós vivíamos da cultura básica da agropecuária, onde se cultivava entre outras culturas, o milho, feijão, arroz, algodão, batata doce e mandioca da espécie macaxeira que se comia cozida e da espécie de fazer a farinha, o beiju, a tapioca e outras guloseimas da culinária regional. Na pecuária, criávamos gado bovino leiteiro, caprinos, equinos, asnos, jumentos, muares, galinhas e mais outras aves.

No período da colheita, o galpão da nossa casa ficava abarrotado de feijão e milho, enquanto os silos ficavam cheios de arroz, que durava de uma a outra colheita e nós não precisávamos comprar daquele produto. Antes era separada para o consumo, para sementes de insumos para plantio e uma parte era vendido.

Durante a noite as mulheres da vizinhança se juntavam lá na nossa casa para debulhar o feijão macaça seco e toda colheita, seguia esse mesmo ritmo.

- Acontecia assim: Numa roda de muitas pessoas, assentadas no chão, sobre uma grande lona, ou numa esteira de palha de carnaúba, ficavam todos atentos ao grande espetáculo de cada conto da minha mãe. Eu, ficava junto dela, ouvindo o estalo das cascas do feijão seco, se debulhando nas mãos das pessoas iluminadas pela ofuscada luz do candeeiro, que ficava pendurado num prego ou numa tábua na parede. Em silêncio, todos ouviam a forma encantadora de minha mãe contar estórias.

- Eu não trocava aquilo por nado no mundo!

Uma dessas noites enquanto mamãe conversava com algumas mulheres, ela se dirigiu para uma delas e falou assim:

- Comadre Maria, amanhã depois do almoço, eu vou pagar uma promessa lá na Cruz do Deserto! E Dona Maria disse: Ah Comadre Soledade, eu também vou com a senhora, porque eu preciso pagar uma promessa, que há bastante tempo eu estou devendo lá na Santa Cruz do Deserto!

Eu que outras vezes, já havia acompanhado a minha mãe àquele local, perguntei: - Mamãe, por que chamam aquele local de Cruz do Deserto? E ela aproveitando o ensejo, nos contou mais uma estória.

Há muito e muito tempo atrás, quando habitava mais gente na zona rural do que hoje em dia, em Itabaiana ainda tinha uma pequena população. Lá na cidade na rua atrás da Cadeia Velha, que hoje chama-se a Rua São Sebastião, havia um guarda noturno que fazia a vigilância daquela rua.

Certa vez, contou aquele Senhor Guarda, que durante a noite enquanto vigiava, olhou para o final da rua e viu uma grande luz azul, semelhante a lua cheia, lá dentro do mato. Como ele era uma pessoa que não tinha medo de nada, cautelosamente caminhou, caminhou na direção daquela luz e foi se afastando da rua, entrou pelo mato a fora e foi até lá. Ao aproximar-se do local, à luz desapareceu. Ele olhou, olhou em volta, mas não viu mais aquela luz. Então ele retornou depressa para a rua e quando ele chegou de volta, olhou para trás e lá estava a luz no mesmo local. Sentindo-se encabulado com aquele mistério, guarda não voltou mais lá naquela noite e se perguntava: o que seria aquela luz misteriosa?

O Guarda acrescentou que na noite seguinte, quando a rua ficou em silêncio, o guarda saiu para a vigilância e aconteceu que ao olhar naquela mesma direção, novamente percebeu que a misteriosa luz estava no mesmo local e cada vez mais viva e azulada. Ele com cuidado, outra vez caminhou até o local e continuou observando, porém num piscar de olhos, a luz desapareceu. Nesse momento, o corajoso Guarda, começou a ficar com medo e apressadamente, voltou para a rua. E já de volta, tornou a olhar naquela direção e observou que outra vez a luz reapareceu no mesmo local.

Passaram-se alguns dias e todas as noites o guarda continuava olhando naquela direção e lá estava a misteriosa luz, cada vez mais brilhante e azulada. Porém o mesmo não voltou mais naquele local. Porém, aquilo começou a incomodá-lo de tal forma, que ele começou a ficar doente aparentava pálido e desanimado, de tal maneira, que não conseguia mais dormir.

Certa vez, no final de mais uma noite de vigília, quando voltou para casa, logo ao deitar-se, adormeceu e teve o seguinte sonho. Ouviu uma voz que dizia: “Você viu aquela luz lá no deserto? ” E ele respondendo disse: Sim eu vi! A voz continuou falando: “Foi ali que eu morri. Faça ali uma capelinha de oração e coloque uma cruz, para que rezem por mim, que eu estou precisando muito! ”

Quando o guarda acordou, contou o sonho a sua esposa e também ao povo daquela rua. Todos se juntaram e convidaram um pedreiro e levaram materiais até o local e lá ergueram uma pequena capela de oração. Disse o Guarda, que depois da construção da capela, a luz nunca mais apareceu. Daquele dia até os dias de hoje, o povo vai àquele local para fazer orações. O aquele monumento foi batizado de “A Santa Cruz do Deserto. ” Hoje, local é bastante visitado por romeiros que vem de vários lugares para pagarem promessas e dizem que sempre alcançam graça. .

Eu estava com os olhos fitados na minha mãe e não perdi nenhuma palavra daquele importante conto. E tendo mamãe terminado de contar essa estória, já eram altas horas da noite e o pessoal se despedia dizendo:

- Dona Soledade, já é tarde, vamos embora! Amanhã voltaremos para a Senhora contar mais uma estória. E retirando-se àquelas pessoas, já era quase meia noite e cantavam os galos. Então, nós fechávamos as portas e íamos rezar para dormir.

Autor: Poeta Thiago Alves

A Arte de Thiago Alves
Enviado por A Arte de Thiago Alves em 09/04/2023
Código do texto: T7759454
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