Uma Vida de Circo II
Antônio e Maria, portugueses, recém-casados, chegaram ao Brasil no começo do século XX. Ele com dezenove anos e ela com treze vieram tentar a sorte no Rio de Janeiro.
Com o pouco dinheiro que tinha, Antônio comprou uma simples padaria. Maria o ajudava a fazer o pão e também nas vendas. Como todo começo nada foi fácil. Antônio trabalhava quase a noite toda e de manhã saía para entregar o pão, de padaria em padaria.
Passaram-se oito anos e três filhas nasceram desta união: Floripes, Elza e Aparecida.
Aos vinte e sete anos, Antônio conseguiu dar à família uma certa estabilidade econômica.
Tão jovem ainda, foi acometido de varíola, vindo a falecer, deixando Maria com as três filhas para criar.
Desesperada, sem saber o que fazer, vendeu a padaria e empregou-se numa fábrica de biscoitos. Durante dois anos , Maria saía cedo para o trabalho, deixando as três crianças sozinhas, trancadas em casa.
Um belo dia, chegou o Circo Pindoba à cidade. Maria ficou toda eufórica e todos os dias levava suas três meninas para assistir aos espetáculos. Elas deliravam e riam a valer com as graças que fazia o palhaço.
Um dia, Maria chegou em casa com um moreno alto, que as meninas acharam muito feio. Ela disse:
- Crianças, este agora vai ser o pai de vocês. Ele é o palhaço Pindoba do circo.
Todas responderam em coro:
- Que bom! Ele agora vai fazer graça só para nós, não é, mamãe?
Que engano! Foi aí que começou a palhaçada. Quando o circo foi embora da cidade, ele levava quatro futuras artistas: Maria e suas três filhinhas.
Com uma pequena bagagem na carroceria de um caminhão, as meninas foram alegres, cantando...
O palhaço, que passou a ser o padrasto das crianças, era também o ensaiador do circo, o treinador de futebol e tinha certas regalias, como por exemplo, uma barraca só para ele.
Para as crianças, ele armou uma barraca, dizendo-lhes:
- Esta agora é a casa de vocês.
Elas ficaram assustadas, pois estavam acostumadas a um certo conforto, mas fazer o quê? A barraca era de lona, coberta de zinco com portas de pano, o piso de chão e sem janela. Mobília nem pensar. Tudo era improvisado.
O banheiro de todos era uma casinha com uma fossa.
"O circo é uma pequena comunidade, uma grande família, um mundo colorido do faz-de-conta, onde vivem muitos personagens. Não existe monotonia e os artistas estão sempre bolando novos truques, piadas, comédias, números os mais diversos. Há aqueles que se especializam em uma atração maior, há os mais elegantes, os palhaços mais engraçados. O artista de circo é um desprendido das coisas materiais e depende muito do povo. É trabalhar à noite e comer de dia. Está sempre sem dinheiro. Ao contrário do que muitos pensam, os artistas se respeitam, mutuamente, e são solidários uns com os outros. Nenhum entra na barraca, ou camarim, do outro sem antes pedir licença. É claro que existem ciúmes daqueles que são mais aplaudidos, mais bem pagos. O artistra de circo é um artesão da alegria. Sua vida é uma eterna fantasia. É uma vida divertida e sofrida, é um sorriso no meio de duas lágrimas." (Maria Aparecida Nogueira)
(continua)