INGRATIDÃO LIBERTÁRIA

Demétrio Sena - Magé

Sempre fui um escravo voluntário das pessoas que me olharam com bons olhos em minha juventude. Que me deram atenção, incluíram em seus meios e suas atividades, principalmente culturais, e me fizeram sentir gente naqueles anos de muitos complexos de inferioridade, insegurança sobre o futuro, síndromes existenciais e muita pobreza. Muitas dessas pessoas permaneceram bem próximas a mim até hoje e me viram sair daquele quadro... foram ao meu casamento e me tornei até colega de trabalho de algumas outras que ainda não haviam morrido nem se aposentado.

O tempo, mesmo depois que me tornei educador, lancei alguns livros (ainda que modestos) e passei a ser membro de alguns meios literários, não foi suficiente para tirar de mim esse (mau e) velho sentimento de servidão. No entanto, adquiri algum brio relacionado à minha pessoalidade. Às minhas escolhas pessoais nos campos da ideologia, das religiões ou não religiões e do partidarismo político entre tantas outras.

Foi aí que me tornei o ingrato. A ousadia em me libertar como ser pensante, político, até como portador de um estilo próprio nas letras virou afronta para muita gente. Não bastam o meu reconhecimento, carinho nem préstimos no que é necessário e possível; no apoio ao meu alcance. Eu teria que não crescer, nem como pessoa. Continuar dependente, sempre agindo, sentindo e pensando como quem um dia me olhou, incentivou, incluiu ou favoreceu.

Tornei- me um "ingrato" como espero que os meus alunos se tornem ao criar asas, ganhar espaços, romper os próprios horizontes e saber mais do que eu. Quanto apreciei ver minhas filhas ingratas dispensando rédeas e virando adultas de corpo, alma, pensamento e vontades. E fico feliz ao ver pessoas que auxiliei demonstrarem reconhecimento, porém livres de amarras, concordâncias obrigatórias, carências e obrigações relacionadas a mim. A ingratidão de sermos quem somos é o princípio do amor próprio e da dignidade humana.