Eu não me acostumo... nunca irei me acostumar...

Hoje, fiz mais um guiamento no local que Heitor dos Prazeres batizou de Pequena África, na região portuária do Rio de Janeiro, num magnífico circuito de herança africana.

A primeira vez que fiz esse circuito foi em 2014. Na época, era mestrando em Ensino de História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Depois disso, já o fiz como professor, como aluno dos cursos de Guia de Turismo do CIETH e do Instituto dos Pretos Novos (IPN) e, agora, o faço como guia especializado nesse tour de herança africana.

Na aula-passeio de hoje, relatei para professores, amigos e desconhecidos a história da escravidão, do tráfico de escravizados para o Brasil e para o Rio de Janeiro, a história do samba, do carnaval e dos sepultamentos indignos que aconteciam em valas comuns, com os "pretos novos" - os escravos recém chegados ao Brasil vindo do continente africano.

Mas não adianta, nunca vou me acostumar com as histórias que eu mesmo conto, com os livros e relatos que eu sempre leio e, especialmente, com o que meus olhos e minha sensibilidade apreendem no Cais do Valongo e no Cemitério dos Pretos Novos.

Não consigo me acostumar que seres humanos foram vendidos como simples mercadoria, comercializados e obrigados a trabalharem de forma compulsória só pela sede do lucro sem qualquer misericórdia.

Não posso aceitar o fato que foram cristãos católicos portugueses, brasileiros e espanhóis que foram os escravocratas e que a Igreja Católica justificava a escravidão, da mesma forma que protestantes ingleses e norte-americanos o fizeram na Inglaterra e no vasto império britânico do período colonial. Ambos os grupos cristãos têm às mãos sujas de sangue e fortunas adquiridas com trabalho escravo.

Não posso aceitar a falta de humanidade, de compaixão e de solidariedade para com aqueles que sofreram ao serem feitos escravos, tendo nascidos livres.

Eu me nego a me acostumar com o horror, com o opróbrio, com a escravização!

Eu me nego a aceitar às desigualdades sociais proveniente do sistema escravocrata, mesmo sabendo que a escravidão continuará sendo uma mancha, um câncer e uma chaga na nossa história.

O escravismo sempre será uma marca indelével na nossa sociedade e no nosso cotidiano. Sempre vai marcar às nossas relações interpessoais, infelizmente.

Por isso, termino esse texto com uma frase do abolicionista Joaquim Nabuco, que foi cantada por Caetano Veloso: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil".

Acioli Junior
Enviado por Acioli Junior em 07/03/2023
Reeditado em 25/09/2023
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