O ENIGMA

O ENIGMA

Ao som das muitas histórias que a velha figueira traz, acordo todas as manhãs.

Ela continua encantadora e permanece ali, no mesmo lugar, desde que nasci. Nela sempre residiram muitos habitantes, gerações e mais gerações de canários, anus, bem-te-vis, rolinhas e pardais. Dizem que o Anu é uma espécie de ave que põe ovos nos ninhos de outras aves. Já estou até sentindo o cheiro da confusão.

Digo isso porque fui surpreendida há poucos dias com a visita inusitada de uma ave, ou seria um pássaro?

Penso que se trata de uma ave que resolveu virar um pássaro, pois voa como passarinho ao encontro do confortável ninho que curiosamente foi construído no alto da minha figueira.

Curioso também é o som que emana, pois cacareja como galinha e canta como um galo.

São exatamente seis horas da manhã e eu estou aqui, sentada no banco de madeira que fica bem embaixo da figueira. Fui despertada com o canto do galo e resolvi sair para observá-lo na tentativa de decifrar quem na verdade ele é.

Será que é uma galinha que roubou o ninho de outra ave e está chocando seus ovos, ou será um galo perdido que encontrou um lugar seguro para ficar? Vou ter que dar tempo ao tempo para decifrar.

Meus pensamentos começaram a viajar pelos tempos longínquos de minha infância. Lembrei de um ditado popular que minha avó sempre falava. “De grão em grão a galinha enche o papo” querendo me dizer que meus objetivos seriam alcançados aos poucos, e que era necessário ter paciência. Existe muita sabedoria e verdade neste ditado. Pensei no galo, terei que ter paciência e alimentá-lo enquanto aguardo o desenrolar desta história.

Se ela estivesse neste momento vendo a visita que hoje habita a nossa figueira, iria ficar maravilhada da mesma forma que eu ficava quando a via alimentar as galinhas, colher os ovos do galinheiro e preparar no seu fogão a lenha, aquela galinha velha ensopada que salivava na boca e só ela sabia fazer.

Na chácara de minha avó habitavam galinhas, pássaros, árvores frutíferas e esta centenária figueira que me acolhe.

Minha vó era como esta figueira e costumava ficar bem aqui, me acolhendo enquanto contava histórias para mim.

A figueira continua aqui gerando histórias, ora tristes, ora alegres e ora inusitadas como esta, da ave que resolveu virar um pássaro. Não sei se “ela é um galo” ou se, “ele é uma galinha” Na verdade já não sei de mais nada, só sei que estou amando a companhia deste ilustre visitante que me motivou a escrever esta história.

Neste exato momento observo uma movimentação diferente lá encima. A galinha está cacarejando aflita.

O que eu temia acaba de acontecer, a mamãe Anu rouba o ninho da pobre galinha. Estou triste com pena desta galinha que ficará ainda mais confusa quando nascer seus filhotes.

Este enigma esta piorando. Além de não saber se ela é pássaro ou ave, se ela é galo ou galinha, agora não saberei se os filhos serão seus ou da mamãe Anu.

Por causa desta história toda, já estou confusa no meio deste lugar onde os pássaros cantam e o galo cacareja, porque moro no centro da cidade, a umas seis quadras da praia, e agora por causa dessa confusão, já não sei mais onde moro, se no campo, na roça, na praia ou na cidade? Na verdade, acho que estou tão perdida quanto essa ave.

Penso que a única coisa que ela quer na verdade é sentir-se livre, reconhecer de fato o seu potencial, e ser feliz. Por isso coloquei seu nome de Liberdade, certamente descobriu que poderia fazer mais do que apenas ciscar em seu restrito espaço do galinheiro e ousou alçar voos, pretendia fazer seu ninho num lugar “seguro” e diferente, onde ela pudesse de fato pertencer. Será que ela resolveu virar um pássaro, fazer seu ninho no alto da minha figueira só para na alvorada, “cantar de galo”.

Será??? O que você acha?

Vou precisar de vocês para decifrar os enigmas que surgiram ao longo desta história.

Preciso colocar as coisas em seu devido lugar. E será que sabemos qual o devido lugar das coisas?

Tenho minhas dúvidas.