Silêncio

O homem chega em casa no horário de sempre, mas surpreendentemente, dessa vez não ouviu a voz da mulher. Em princípio ele ficou alguns segundos estáticos como se esperasse o rosário de reclamações, nada. Uma rápida olhada para a mulher e ela parecia impassível lendo um livro. Ele até pensou em iniciar o contato, mas preferiu não arriscar e ficar na defensiva.

"Talvez ela esteja aborrecida com alguma coisa e não quer papo!" pensou consigo mesmo. Achou mais prudente respeitar a decisão dela e procedeu como se estivesse tudo normal. Trocou de roupas, sentou-se à mesa para jantar, viu o telejornal e se preparou para dormir. Tudo no mais completo silêncio. A mulher se movimentava mecanicamente, às vezes ele arriscava um olhar sem graça, mas silencioso.

No dia seguinte, para maior perplexidade do homem, a mesma mudez. Nada, nem um comentário sobre as dificuldades que ela passou no dia, nem reclamação de falta de alguma coisa. O homem começou a gostar daquela nova rotina. Após um dia difícil de trabalho, encontrar a redenção de um lar plácido, tranquilo e pacífico é tudo que ele mais quer... A mulher, que sempre o bombardeava com um milhão de informações, fofocas, suspiros, lamentos, reclamações e pedidos de compras, de repente, estava muda, calma, serena... Com medo de perder essa pequeno oásis de mansidão o homem não se atreveu a interromper o que quer que seja, que foi decidido pela esposa.

E ele já pensou até em um álibi, pois se amanhã ou depois ela viesse a cobrá-lo (o que muito provavelmente aconteceria) a resposta já estava na ponta da língua: respeito.

Um mês passou e nem uma palavra. Ao fim do primeiro dia útil do segundo mês o homem entra em casa cabisbaixo, profundamente contrariado. Olha para a esposa buscando cumplicidade, precisa dela, de sua sabedoria, precisa ouvir uma voz amiga.

— Minha querida, desculpe, eu não sei o que a levou a tomar essa atitude, de ficar em silêncio. Eu te respeito, é sério, mas agora eu preciso do seu conforto, preciso desabafar, estou tendo uns problemas no trabalho e...

A mulher olha para ele, lentamente leva o dedo indicador até os lábios e com um sorriso se volta para o livro.

M P Cândido
Enviado por M P Cândido em 17/01/2023
Reeditado em 04/04/2023
Código do texto: T7697719
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