Uma Ave Maria a Jerônimo Capitania

 

Caro Jerônimo, você talvez não me conheça, na verdade não nos conhecemos. Você pode ter conhecido alguém da minha linhagem, um avô de quinta geração que não sei nem como se chama, um Barbalho, com certeza, ou Araújo; mas Araújo tem feito mosca, Barbalhos tem menos. Assim, se você ver um Barbalho por aí é da minha família por parte de mãe, os Skykowisks só vieram para cá um século depois.

 

Eu acho que te vi no quadro feito por Francisco A F. Melo, "o martírio de Tiradentes". Sei, o mais famoso é o de Pedro Américo, "o Tiradentes esquartejado", mas nele você não aparece.

 

Então, eu li que você é um escravo que exerce um triste ofício de carrasco. Não é algo que as pessoas almejem para os seus filhos ou que as próprias crianças sonhem ser quando crescerem. Eu sinto que você queria ser qualquer outra coisa que um escravo pudesse ter sido.

 

Dá para perceber na pintura a aversão ao ato que estarias prestes a fazer. Mas, não tens escolha, ou Joaquim ou você, e por pior que seja a vida do escravo, a morte antecipada não é almejada nem por um moribundo.

 

Jerônimo, eu nem ia falar nada. Mas, li que, mesmo na rudeza e brutalidade exigidas para a tarefa que tu farias, beijastes os pés do miserável que sentiria o teu corpo sobre o seu corpo, para abreviar o seu sofrimento. Um ato de misericórdia, de bondade. Um beijo de consolo; mesmo tu sabendo que ele não queria te libertar na revolução que ele idealizara. Você demonstrou amor sem querer algo em troca. Isso me tocou, sabe?!

 

Por ti rezo essa Ave Maria...

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 17/01/2023
Reeditado em 29/12/2023
Código do texto: T7697581
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