DOM CASMURRO: TUTORIAL DE COMO SE LIVRAR DE UMA PROMESSA
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Uma promessa é como uma sinuca de bico. Não vejo outras alternativas: cumprir ou não cumprir. Cumprir pela metade é o mesmo que não cumprir, então, esta última possibilidade está fora de cogitacão. Falo sobre esse assunto porque Bentinho, na verdade, D. Glória, prometeu algo, mas que não a envolve, e sim o seu filho. E o que foi prometido? Enviar o rapaz para o seminário.
De cara, eu poderia dizer a Bentinho que o seminário não é um lugar tão ruim assim. Por duas vezes cogitei participar dos Jesuítas e dos Dehonianos; na primeira, fiz o vocacionado e quando ia adentrar nas fileiras da vida sagrada, mudei de ideia. E na segunda, eu já estava namorando a minha futura esposa e ela não recebeu de bom grado a notícia e chorou por três dias e três noites, um choro intenso que mataria afogada a baleia que engoliu Jonas, ou Gepeto. Em Jonas há dúvida sobr o animal, em Gepeto, não! Por amor a ela decidi não ir. Mas, diferente de Bentinho, eu não tinha uma promessa me prendendo à vida religiosa e pude seguir meu caminho sem peso algum na consciência.
Bento Santiago já decidiu que não quer ser padre. Afinal, ele ama Capitolina. E ela o ama também; ele assim pensa. Apesar de às vezes ter dúvidas. Mas, já se beijaram. Ele até já se sente homem por causa disso. Um dia, após um beijo ele abriu a boca e gritou " Eu sou homem" ( ver capítulo 34 do livro)! Certo que depois ele ficou olhando a procura de alguém que o pudesse ter ouvido e correr o risco dessa exclamação eufórica ser contada a sua mãe: "eu ouvi mais cedo o Bentinho gritando atrás das portas que era homem..."
Como já disse, a promessa não é dele. É da mãe. Aqui eu abro um parêntese para fazer uma observação. Pessoalmente, não acho justo alguém fazer uma promessa em nome de outra pessoa. Por que ela não fez uma promessa que a envolvesse? Tipo, dá uma quantia de dinheiro aos pobre. Ajudar o seminário sendo uma benfeitora. Deixar de comer algo que lhe dá prazer, coisa assim. Mas, entregar o filho ao seminário, não acho uma promessa válida.
Bentinho já tem dois aliados, Capitu e José Dias. No texto anterior eu abordei a conversa sobre vocação em que o agregado, tivera com o Padre Cabral, na presença de sua mãe, tio Cosme e prima Justina. Aparentemente o placar está 1 x 0 para o rapaz. Aparentemente!
Ciente dessa leve vantagem, Bento toma uma atitude corajosa: decide falar com a sua mãe e apresentar o seu desejo de não ir ao seminário.
Nem preciso dizer que a empreitada foi em vão. A mãe está muito apegada à promessa. Não é para menos. Foi a vida de seu filho que Deus salvou. Como ela o poderia negar? Mas, mesmo sem vocação? Quanto a isso, ela prestou mais atenção nas palavras do Protonotário e falou para o filho que a logo se desenvolveria.
Apesar do seu desejo íntimo de não se separar do rapaz, ela está presa a sua promessa. Deste jeito, não tem escapatória para Bentinho. Ele vai entrar de vez para a vida religiosa dali a uns meses. Vai ficar um tempo, fazer amizades, estudar... E vai sair! Afinal o jovem não tem vocação, ou não quer tê-la. O que ele quer mesmo é fazer tranças e descançar seus lábios sobre os lábios de Capitu.
E, como se resolve a questão da promessa? Casmurro fala o seguinte: "Quisera um modo de pagar a dívida contraída, outra moeda, que valesse tanto ou mais, e não achava nenhum". Eu disse que apresentaria um tutorial para se livrar de uma promessa, não que eu tenha precisado de lançar mão deste artifício, mas caso alguém precise... Dica 1: Tenha pessoas do seu lado que atue como questionador; lançar dúvidas sobre algo é sempre uma boa estratégia; 2º arrume um bode expiatório. Sobre esse bode a gente fala depois.
Até.
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