O invisível social num dia de Natal
Meus pais compraram uma casa em um novo loteamento há alguns anos atrás; o local ficava no alto de uma grande colina completamente cercada por pastos degradados, de onde era possível avistar muitos lugares distantes na linha do horizonte.
Costumava visitá-los de forma costumeira, e me recordo agora que sempre avistava naqueles pastos um homem solitário com um bastão de ferro nas mãos. Ele andava por aquele campo com aquele bastão, parava em determinado ponto, batia o bastão no chão, agachava-se, enfiava a mão em seu bolso, tirava algo de lá para em seguida depositar sobre a terra, levantando-se em seguida para revolver a terra sob os seus pés com suas botas. Aquele processo era repetido por algumas horas ao longo das manhãs. Sempre tive a curiosidade de parar um dia e perguntar para ele o que ele fazia ali, mas nunca fiz isto de fato.
Num dia de Natal passei por lá e observei aquele homem na sua costumeira rotina com o bastão. Até no Natal meu Deus do céu, pensei eu, o que afinal de contas ele faz ali? Como ele estava próximo da rua, reduzi a velocidade do carro, fiz um aceno com a mão e desejei a ele um feliz Natal, e o homem lá no campo levantou o seu chapéu, sorriu para mim e respondeu: Para você também. Esta foi a única vez em toda a minha vida em que troquei algumas palavrinhas com ele, certamente movido pelo espírito natalino, e me recordo ainda de olhar para o retrovisor e vê-lo novamente caminhando e batendo o seu bastão no chão da forma mais natural do mundo como se aquele dia de Natal fosse simplesmente um dia qualquer.
O tempo avançou, meus pais partiram desta para a melhor, a casa foi vendida e eu deixei de passar por ali. Depois destas muitas voltas que o mundo dá, meu filho cresceu e alugou um apartamento próximo à antiga casa de seus avós, e num certo dia eu fui visitá-lo e conhecer a sua nova moradia. Achei que tivesse errado o caminho, pois o antigo pasto por onde eu passava no passado, era agora uma enorme mancha verde repleta de árvores que podia ser avistada a longas distâncias, quem teria afinal de contas plantado toda aquela imensidão de árvores?
Falei com o meu filho sobre aquilo e ele não soube responder-me; a fim de dirimir minha curiosidade, dei uma volta pela rua à procura de antigos vizinhos, talvez alguns deles pudessem esclarecer-me. A resposta dos antigos foi a mesma: Quem plantou todas aquelas árvores foi um homem que andava com um bastão de ferro por aqui nas manhãs de sábados, domingos e feriados. Neste momento minha ficha caiu, e eu finalmente tomei consciência: Aquele anônimo e solitário homem do bastão estava plantando as sementes das árvores que cresceram, embelezaram e valorizaram toda a cercania. Mas por onde andaria ele agora?
Ninguém sabia nada a respeito dele e, tal como eu, não sabiam onde ele morava, se estava vivo ou morto, não sabiam nem ao menos o seu nome, era como se ele fosse um invisível social ao olhar de todos os antigos moradores. Sobre ele havia uma única certeza, a de que ele havia desaparecido, e duas grandes dúvidas: Uma parte dos moradores achava que ele havia desaparecido pelo impositivo do distanciamento social na época da pandemia do corona vírus, e uma outra parte jurava de pés juntos que ele havia sumido simplesmente pelo fato de não haver mais espaço aberto no pasto para que ele pudesse continuar plantando as suas amadas árvores com seu inseparável bastão de ferro. Como nunca mais vi aquele anônimo homem, jamais descobri quais das respostas estavam corretas.
Volta Redonda, 23 de Dezembro de 2023.