DÍSPARES CAMINHOS
Se fosse pra contar as noites de solidão, necessária seria outra vida. Não digo isso como lamurias incrustradas no fundo da mente, no espelho da alma ou na ponta mais escondida do coração que ainda pulsa sentimentos tantos.
Bebi em taças quentes sorvendo o frio sabor do estar só e deparei-me com o gosto amargo da insistente companhia que por vezes tanta, fazia-me sobressaltar da cama aos gritos assustados do não querer ser, estar ou permanecer só.
Acariciei meus vícios como cumplices provisórios e deixei que eles descessem garganta abaixo para produzir o efeito do alucinógeno torpor da embriagues que já estava se fazendo constante e chegava a qualquer hora do dia da noite da tarde do amanhecer, sim até no romper da aurora eu buscava a presença desse viciante querer, como se corresse em busca de mim tentando a mim mesmo alcançar.
Não restava mais nada, mais ninguém. Eu até vi a fé escorregar por entre os vitrais da minha janela, dando-me adeus para nunca mais voltar, eu vi a alegria descer pelo cano da descarga do banheiro e vi que até a privada ria de mim ao contemplar o estagio da minha imersão ao coas.
Eu li de tudo que podia ser lido, acompanhei de perto a saga de Diadorim, naveguei por entre os cabelos de Iracema, eu vi de perto o amor de Peri por Ceci, ouvi as sinfonias de Bach, Beethoven, Chopin cavalguei nas cruzadas salvando vidas de tantos miseráveis, rasguei o bucho do céu com Zé da Luz e vi quando as virgens todas caíram num abismo solitário dessas vagas e tão presentes lembranças.
Fui tão mal, que sem querer perceber, matei a mim mesmo, numa esquina da grande metrópole onde Caitaniei as lembranças de dividir as mesmas esquinas em duas, batizando-as de Ipiranga com a São João. Era sim o caminho para o meu banheiro e da sala pra cozinha, essas eram as duas ultimas avenidas que me restaram.
Nada mais tinha para pensar ou para dizer, a fuligem tapou-me os olhos e o ultimo gole de whisky comprado numa birosca na boca do lixo paulistano, desceu garganta abaixo feito navalha deslizando na carne, num convite ao último gole.
"Dentro de mim, há um sino e um badalo, sem cordas para fazer ecoar o som do silêncio que somente eu escuto".
Carlos Silva