ABRIGO DE VAGABUNDO

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Amiga leitora, amigo leitor, de cá e de além mar, especialmente a África lusofônica, estou arrepiado. Daqueles arrepios que a pele fica com aquelas bolinhas pequeninas, sabe Como é ? Isso porque ouvi uma música de Adoniran Barbosa: Abrigo de Vagabundo. Não é apenas uma música, é uma crônica harmoniada. Melodiosa. Acompanhada por cavaco, flauta, violão e um pandeiro, além da voz grave de um septagenário careca.Assisti no youtube naqueles momentosem que a gente está sem fazer nada. Hoje, foi o meu melhor não fazer nada..

 

Já estou ouvindo três ou cinco ou mais vezes. Me perdi na conta. A letra explora a vida de um trabalhador (explorado - viva à revolução- queimem os meio de produção, toquem fogo nas fábricas e seus donos seus donos sejam guilhotinados.. Mas, depois a gente vai trabalhar onde? Deixa de fazer pergunta e grite: Viva à Revolução- Desculpe, foi um delírio que tive agora), como eu e você. Talvez não tão igual, mas trabalhador. Seu ofício? Artesão. Na verdade, um dia já fora artesão, mas com o desenvolvimento das máquinas, da linha de produção fordista, da divisão de tarefas de Taylor, ele é um operário numa fábrica que faz jarros, na música diz que faz pote, mas eu acho que é jarro. Jarros são mais bonitos que potes. Pote só serve para criar sapo no pé da parede.

 

Precisamente , eu acho, que ele faz a alcinha dos jarros. Eu suponho! De tanto trabalhar fazendo isso já está com o braço torto, o seu claro, os bracinhos dos jarros são perfeitos. Deve ser devido à tortidão do seu braço. Se adaptou perfeitamente à tarefa.

 

Voltemos aos potes, ou melhor, aos jarros. Os jarros que ele faz são lindos para se colocar lindas flores postiças em lindas lápides de pessoas que viveram apaticamente uma vida cinza.

 

A música não conta que ele tenha família. Na verdade, acho que não tem. Por quê? Simples. Em um ano ele consegue juntar dinheiro para comprar um terreno na Mooca, um 10 X 10, como Adoniran nos conta. Acho que naquela época um terreno lá não valia essas coisas todas, mas mesmo assim... Prossigamos. Quem tem família, ao menos uma namorada, sabe que não se dá para juntar dinheiro desta forma para compara um terreno. Agora está melhorando, o Caio Castro levantou o debate sobre dividir contas de restaurantes e parece que as coisas estão mudando, para  evitar dividirem a conta, os casais não estão saindo mais. Mas voltemos ao personagem da música.

 

Ele comprou um terreno e construiu o que ele chama de maloca. Com orgulho diz que está registrado até na prefeitura e tudo, provavelmente um futuro pagador de IPTU à prefeitura. Um cidadão.

 

Mais detalhes da sua moradia não é dado. Acho que luxo não havia. Se for igual as moradias cantadas por Bezerra da Silva, deve ter só uma cadeira quebrada, um jornal como colchão, uma panela de barro e dois tijolos como fogão. Moradia pobre, de gente simples, se tivesse uma linha de trem passando por lá daria até para ver o Chico pela janela buscando inspiração .

 

Não importa como seja a maloca do operário. O que importa que é dele. Ele construí com o suor e braço torto de tanto colar lindas alcinhas de lindos jarro para colocarem lindas flores postiças em lindas lápides de pessoas que viveram apaticamente uma vida cinza.

 

A música é linda. Vale a pena conferir.

 

 

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 10/12/2022
Reeditado em 12/12/2022
Código do texto: T7669005
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