Devo começar a fumar charutos e morrer de câncer de laringe?
Escrevo como Freud interpretava os sonhos: tentando fazer livres associações.
Segundo o neurologista austríaco, “todo sonho é a realização de um desejo”, sendo que, ao interpretá-los com a devidas ferramentas, o verdadeiro impulso daquilo que se deseja pode vir à tona. O que me faz pensar – ainda seguindo nas comparações –, que todo texto é um desejo realizado quando finalmente posto no papel. Dessa forma, com a devida licença poética, me ocorre a seguinte questão: o que pretendo realizar lançando essas palavras, dia após dia, ano após ano, antes naquelas folhas amareladas manchadas de café, e agora, nessa tela de computador?
Desperto em um sobressalto. O alarme do celular disparou. Hora de levar os gatinhos para doação. Uma mosca gira pelo quarto, aparentemente desorientada, sem rumo, apenas girando, girando, girando. Lembrei de Raymond Chandler em seu Longo adeus. Sonhei com uma enxurrada de coisas que não me lembro. Censura psíquica, diria o pai da psicanálise. Ontem fiz trinta e seis. Três comprimidos de vitamina B12, um gole d’água, engulo. Pronto: e eis, mais uma vez, o panorama de uma manhã fria de domingo, aqui condensado em poucas palavras.
Devo começar a fumar charutos e morrer de câncer de laringe?