O Regresso de Marte
Era uma vez uma casa que estava fechada há muitos anos; pelos cantos o mato grassava, tudo era sinal de abandono, as paredes cheias de limo, infiltrações por toda parte, tudo ali carecia de reparo; no quintal folhas não varridas, roseiras mortas pelos cantos, em todos os lugares somente desolação e ausência...
Apareceu então um homem de meia idade que, freneticamente batia na porta; ninguém respondia, ninguém abria. Sentou-se então nos degraus da entrada, e ficou pensativo e com o olhar distante e perdido, até que passou alguém na rua que o abordou...
- Senhor, Senhor, precisa de alguma ajuda?
- Gostaria muito de entrar na casa, porém a porta está fechada, e não tem ninguém lá dentro.
- Senhor, moro nesta rua há muitos anos, e já faz muito tempo que não vejo mais ninguém na residência.
- Meu amigo, você tem alguma notícia das pessoas que viveram aqui?
- Bem meu Senhor, o dono, há muitos anos atrás foi o primeiro que desapareceu. Até onde eu sei, saiu para um viagem, porém jamais retornou. Haviam também crianças Senhor, que cresceram, estudaram, casaram, e foram embora também. Ficaram então a dona da casa e alguns cachorros. Estes, com o passar do tempo, creio que pela ausência prolongada do dono, foram ficando cada vez mais tristes, até que, pouco a pouco foram morrendo também. Finalmente, restou a dona, que viveu ainda muitos anos, cuidando do quintal, das rosas, dos netos e filhos que vinham visitá-la, porém, como é natural, morreu também, e desde então, a casa caiu no mais completo abandono.
- Meu Deus do Céu, - falou o homem desesperado.
- Meu Senhor, ao longo dos anos, algo curioso acontecia aqui... Todos as noites, e por muitos anos, os moradores da casa ficavam todos olhando para o céu distante, como a esperar por alguém... Por Deus Senhor, até mesmo os vira latas olhavam para o céu nas noites estreladas, saudosos, e então uivavam por muitas horas. Era uma cena de rachar o coração. Nunca consegui entender o que houve, e nem o que afinal de contas havia lá no céu distante.
- Havia um marciano lá meu amigo.
- Desculpe Senhor, não consegui compreender.
- O Dono da casa, em plena juventude, construiu uma nave espacial com sua mente prodigiosa, e então, num determinado dia, deixou todos e partiu para um sonho muito distante em Marte, com a promessa de um breve retorno; porém, teve problemas com a nave mental, e então ficou muito tempo perdido no espaço, exilado em Marte.
- Mas meu Senhor, se ele conseguiu através de sua mente viajar para o espaço distante, por que então com esta mesma mente não conseguiu regressar para sua casa?
- É que tardiamente ele descobriu que a mente tem o poder de levar as pessoas para longe, para o espaço, para além da realidade, para um lugar imaginário e distante dos amigos e dos afetos, porém, não tem o mesmo poder para retornar; no fundo, a mente não consegue mesmo encontrar o caminho de volta.
- Mas como o Senhor soube a respeito deste marciano?
Grossas lágrimas desciam dos olhos daquele homem naquele momento.
- Sou eu o marciano meu amigo, sou eu astronauta mental, sou eu o dono da casa abandonada.
- E quanto tempo o Senhor ficou perdido no espaço?
- Muitos anos meu amigo, quase uma vida inteira.
- Mas, não podendo mais retornar através de sua nave mental, como conseguiu o regresso, estando aqui agora?
- Na solidão do espaço, na distância, na saudade, na dor, no remorso, na culpa, no vazio da existência, no desespero... em pleno espaço distante despertei e aprendi a amar, e o amor me trouxe de volta.
- E por que afinal de contas, o Senhor, em plena juventude, foi viajar para um lugar tão longe?
- Achava que nada valia a pena, que o mundo estava todo errado, que eu era o único indivíduo perfeito, um ungido de Deus; então, pelo mais profundo egoísmo interior, resolvi ir embora para ser feliz, para fugir de todos os problemas da terra, e somente em Marte, mergulhado na mais profunda solidão, descobri que todo o universo estava certo, e que o único problema era comigo mesmo. E foi a força desta descoberta que me trouxe de volta para casa.
- E agora Senhor?
- Bem, sou responsável pelos meus atos. De agora em diante, com o tempo de vida que ainda tiver, vou tentar dizer para as pessoas que, não vale mesmo a pena construir naves mentais para ausentar-se da terra e da vida; vou tentar, através de minha dor e do meu aprendizado, dizer para todos, que na realidade, o melhor lugar do mundo é mesmo aqui e agora, como diz a canção.
O homem finalmente conseguiu abrir a porta de sua casa.
- Entre meu amigo, seja bem-vindo, e caso você não tenha pressa, contarei para você como foi a minha viagem até o planeta vermelho, na época da grande corrida espacial entre russos e americanos.
Abrindo então a porta dos fundos, viu lá um grande abacateiro, que ele havia plantado nos dias de sua juventude, e tamanha foi a sua dor, que sob a sombra daquela majestosa árvore, ele sentou e chorou, selando através de suas lágrimas o definitivo retorno para a realidade.
Rio de Janeiro, 25 de Setembro de 2018.