Dongo vai à Fábrica de Refrigerantes
Era uma vez um camundongo chamado Dongo, que, estando na escola, ficou muito contente em saber que ele e todos os seus colegas iriam fazer uma visita a uma fábrica de refrigerantes; aquele era, sem dúvida nenhuma, o maior acontecimento da escola naquele ano tão distante no tempo.
Nos dias que antecederam à visita, Dongo ficou a imaginar que seria realmente algo extraordinário — dois ônibus seriam alugados —, e ele ficava só pensando que beberia mais de dez, ou quem sabe, mais de vinte garrafinhas daquele refrigerante que ele só via em alguns poucos armazéns.
O dia finalmente chegou; foram todos para a fábrica logo cedo, na estrada uma alegria só, tudo era bonito, tudo era festa, tudo era fantasia. Dongo e seus amigos finalmente chegaram na fábrica, e lá, um gato uniformizado mostrou para os professores e as crianças algumas dependências da fábrica, mas Dongo não estava interessado em nada daquilo, Dongo queria era beber aquilo, beber quem sabe, vinte, ou ainda trinta daquelas infinitas garrafinhas.
Chegou finalmente a grande hora das crianças beberam o refrigerante; neste momento Dongo foi ao banheiro, foi rápido, precisava voltar logo. Quando Dongo finalmente voltou, viu todos os seus coleguinhas com uma garrafinha já vazia nas mãos — eles já haviam bebido aquele líquido maravilhoso —, e Dongo percebeu então que havia atrasado-se um pouquinho.
Dongo sabia que precisava ir a um daqueles gatos — para Dongo todos eram gatos —, a fim de pedir também a sua garrafinha. Mas Dongo não fez isto, Dongo ficou calado, Dongo ficou com medo, Dongo ficou com vergonha — a tal vergonha tóxica dos codependentes —, Dongo, enfim, não bebeu trinta garrafinhas, Dongo não bebeu vinte garrafinhas, Dongo não bebeu nada.
Na volta para casa, já na estrada, todos os coleguinhas de Dongo estavam muito alegres com a visita e com aquele refrigerante tão gostoso e gasoso, exceto Dongo, que ficou ali pensando em como voltar o ônibus e o tempo — como se isto fosse possível —, para simplesmente pedir a alguém, mesmo que fosse um gato, uma garrafinha daquela bebida tão desejada.
Desde então, nas lembranças mais remotas de Dongo, o mais incomum dos camundongos, ficaram aquelas garrafinhas vazias de refrigerante enchendo constantemente o seu mundo mental. Dongo, aquele que via todos os humanos como gatos, viria a descobrir a doença da codependência muitos e muitos anos depois, quando poderia, se quisesse, beber centenas de garrafinhas de refrigerantes, doença esta, onde a vergonha, o sentimento de não pertencimento e o medo de expressão, são apenas alguns dos muitos sintomas.
Rio de Janeiro, 23 de Setembro de 2019.