A Árvore que a Cidade Esqueceu

Naquela manhã de primavera na cidade do Rio de Janeiro, o Agricultor Urbano passava pela Avenida Presidente Vargas, próximo à Candelária, quando ouviu uma voz:

— Ei você, você aí... consegue ouvir-me?

— O Agricultor olhou para o lado, percebendo de imediato uma infeliz árvore dentro de um enorme vaso de metal.

— Sim, posso ouvi-la minha amiga, em que posso ajudá-la?

— Bem... Talvez não haja muito mais o que fazer, podemos então conversar um pouquinho, só um pouquinho? Muitas pessoas passam por aqui todos os dias, porém, ninguém tem tempo, estão todas correndo.

O Agricultor teria que chegar as oito horas em ponto no escritório na rua Uruguaiana, percebeu então com alegria que havia tempo, que seria possível conversar com a árvore.

— Como você tem passado minha amiga?

— Não estou bem Senhor, no passado os humanos deixaram-me neste vazo metálico no meio desta avenida barulhenta, naquela época eu era bem pequena. No início havia bastante espaço para minhas raízes, fui crescendo, sentia-me bem, no entanto, com o passar do tempo o espaço foi ficando cada vez mais reduzido e eu passei a passar por algumas dificuldades...

— Eles regaram você?

— Não, não regaram, passei a depender das chuvas, nem sempre chovia, mas conseguia ir levando...

— E o que aconteceu afinal de contas?

— Bem, como já disse, o espaço foi ficando muito reduzido, minhas raízes precisavam da terra para buscar os nutrientes, não consegui romper o vazo e fui ficando cada vez mais fraca.

— E ninguém te socorreu, você não pediu ajuda?

— No início, quando comecei a sentir o aperto, passei a falar com as pessoas que passavam ao redor, porém ninguém me ouvia ou entendia, parecem que todos estão buscando algo que não está no presente, acho que procuram alguma coisa que tenha ficado no passado, ou ainda algo que está no futuro, sinto que as pessoas não conseguem viver o dia de hoje, e desta forma, nenhuma delas notou a minha presença e o meu sofrer.

— Nem os humanos responsáveis pela sua manutenção, o pessoal dos parques e jardins?

— Infelizmente não meu Senhor, muitos deles, nem todos, é claro, executam seu trabalho de forma mecânica, e desta forma não conseguiram perceber o meu estado.

— E os políticos que passam por aqui diariamente, eles não notaram a sua lastimável situação?

— Estes, infelizmente, não conseguem perceber nada, a não ser poder e prestígio, estão como loucos à procura de votos, acho que precisam de muitos votos para, quem sabe, preencher um grande vazio...

— E os jovens, os estudantes, os advogados, médicos, engenheiros, as donas de casa, os empresários e uma infinidade de outros que passam por aqui diariamente, ninguém te ajudou?

— Como já disse, ninguém, absolutamente ninguém percebeu o meu estado, você foi o primeiro e único.

— Amiga árvore....

— Sim...

— Sinto muito... Na verdade, já havia percebido seu lastimável estado no dia de ontem, quando passei dentro do ônibus; resolvi então vir a pé hoje para conversar um pouquinho com você. Consigo sentir um pouco do seu sofrimento, pois sei também das minhas próprias dificuldades relativas ao crescimento de minhas raízes pelas terras de minhas emoções, sinto-me às vezes também preso em um grande vaso, um vaso metálico e duro como o seu, o vaso do meu egoísmo interior. Como você, às vezes sinto sede de viver, sinto solidão medo, rejeição, abandono...

— Senhor....

— Pois não amiga...

— Receba minha eterna gratidão pela calorosa visita de hoje, e, sobretudo, por ter conversado comigo de uma forma tão franca, sentido mesmo a minha própria dor, porém, tenho algo a dizer-lhe...

— Diga minha amiga...

— Você deve possuir algum dom ou alguma coisa assim, pois a indiferença e o descaso humano já ceifaram minha vida, eu não estou morrendo, eu já estou morta, você agora fala com a minha alma, ou com algo de imortal que habita dentro de mim.

— Eu já sabia minha amiga, desejei apenas expressar meu sentimento de gratidão pela sua existência, não queria feri-la ainda mais, eu sinceramente sinto muito.

— Obrigada Senhor, agora posso partir em paz, sinto em mim a vida, a vida infinita.

— Adeus companheira, prometo a você levar esta nossa conversa aos ouvidos de outros humanos, quem sabe a sua dor possa despertar alguém. Fique em paz companheira.

— A propósito Senhor, qual a sua graça?

— Pela Graça do meu Senhor e meu Deus, Agricultor Urbano!

— Adeus meu amigo Agricultor Urbano, que o Senhor do Universo te abençoe.

— O Agricultor continuou sua caminhada, atravessando a larga Avenida Presidente Vargas com suas inúmeras pistas, ainda deu uma última olhada naquela árvore que poderia ter crescido e vivido por longos anos, distribuindo sombra, flores, frutos, frescor e beleza para todos, porém, a vida não era assim, cabia a ele simplesmente aceitar e continuar sua jornada pelas veredas por onde pisavam suas botas rurais, ou ainda, seus calçados urbanos.

Rio de Janeiro, 20 de Agosto de 2014.

Agricultor Urbano
Enviado por Agricultor Urbano em 13/10/2022
Reeditado em 13/10/2022
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