A perda dum parceiro do jogo de damas

No ano de 1971 vindos de Anápolis, Goiás, eu, meu pai, minha mãe e mais 04 irmãos, fomos morar na vila Yate, em Goiânia. Com 10 anos de idade estudava pela manhã e engraxava sapatos à tarde na companhia de um coleguinha de nome Joaquim, apelido Quinca. (Nos anos 80 eu reencontrei o Quinca exercendo a função de soldado da Polícia Militar de Goiás, e nunca mais o vi).

Era uma época de pouca evolução tecnológica e comercial. Não havia supermercados nem shopping centers. Os carros mais populares era o Volkswagen (que ainda não era conhecido como fusca), o Corcel, o Opala e o Maverick. Lembro-me dos ônibus da marca Mercedes Benz, modelo 1111 e 1113. A televisão era em branco e preto, e poucas famílias tinham devido o alto preço assim como o telefone fixo. Ninguém sonhava com celular nem internet.

Dos 12 aos 14 anos trabalhei de cobrador de ônibus na viação Jussara, que faliu mais tarde. O meu número de registro de cobrador era 19. Nas horas de folga gostava de jogar bola num campinho de terra batida. Gostava também de assistir os jogos do Vila Nova num radinho de pilhas e sonhava em ser jogador de bola. Dos 14 aos 16 anos trabalhei de servente de pedreiro na construção do Conjunto Caiçara.

Ainda nessa época descobri o jogo de damas, e sempre ganhava dos meus colegas. Em 1976 mudamos para a vila Viana, e passei a trabalhar de pedreiro, e conheci uma família viciada no jogo de damas. O patriarca, um homem de barba branca, era o mestre. Embora eu ganhasse algumas partidas, não tinha uma técnica apurada. Na verdade, ninguém era profissional. Mudamos de setor e eu fiquei sem parceiros. Com o advento dos jogos eletrônicos, o jogo de damas ficou ultrapassado, e os parceiros sumiram de vez.

Em 2008 conheci um vizinho de nome José Moisés (1940-2022), que me convidou a jogar damas. Com o seu Zé, jogador profissional que participara de torneios, aprendi muitas técnicas de defesa e ataque e a armar jogadas. Ficávamos a jogar por mais de 8 horas seguidas, e ultimamente eu ganhava mais do que perdia. Há uns 06 meses o seu Zé disse-me que não iria mais jogar por estar com a visão comprometida devido a uma cirurgia de cataratas que não resolveu o problema. Fiquei um pouco sentido pela perda um bom parceiro.

Mas, de vez em quando o seu Zé parava na porta de casa para conversarmos, pois gostava de contar suas histórias da região do município de Americano do Brasil de onde era natural, e eu gostava de ouvir. Há cerca de 01 mês percebi a ausência do seu Zé e notei que o barracão que morava no fundo da casa de sua ex-mulher estava vazio e com uma placa para alugar. Eu perguntei a sua ex-mulher: O seu Zé mudou? Ela respondeu-me que o seu Zé morreu há 03 meses, que sentiu uma tontura, foi para o hospital e não voltou mais. Foi enterrado em Americano do Brasil. Dei a ela os meus pêsames!

Goiânia, Goiás, 03-10-2022

Alonso Rodrigues Pimentel
Enviado por Alonso Rodrigues Pimentel em 11/10/2022
Reeditado em 11/10/2022
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