Depressiva Fachada
Era uma vez uma cidade onde moravam todas as emoções do mundo; cada emoção, tal como na cidade das pessoas, possuía sua própria casa e, na fachada de cada uma dessas residências havia escrita em cima o nome do proprietário.
Andando pelas ruas daquele pitoresco lugar, podia observar-se facilmente o que estava escrito em cada fachada: Lar do Amor, Lar da Alegria, Lar do Perdão, Lar da Mágoa, Lar da Solidão, Lar da Esperança...
Num certo dia, a Amizade — que era uma emoção muito calorosa —, ficou sabendo que um novo vizinho, o Medo, havia mudado para bem perto de sua casa. Dirigiu-se então para lá, a fim de conhecê-lo e saudá-lo — talvez o Medo estivesse precisando de alguma coisa. A Amizade estranhou um pouco o fato de não haver ainda nada escrito na fachada, "provavelmente o Medo faria a inscrição mais tarde", pensou ela.
Chegou até a casa, que estava toda fechada, e bateu na porta... ninguém atendeu. A Amizade bateu novamente e ninguém respondeu. Havia uma campainha, a Amizade tocou, mesmo assim ninguém abriu a porta. "Não deve estar em casa a esta hora o meu novo vizinho, volto então em uma outra hora", intuiu a Amizade; virou as costas e saiu serenamente, caminhando pela rua arborizada.
Porém, o Medo estava em casa; viu quando o estranho chegou, ouviu as batidas na porta, ouviu a campainha, mas mesmo assim ficou lá no seu cantinho bem caladinho, quase estático, a fim de não ser notado. O Medo não gostava de abrir suas portas para ninguém — quase ninguém como veremos logo adiante —, ainda mais para estranhos; não gostava de ser incomodado, não gostava de incomodar, não gostava de nada, tinha receio de tudo e de todos; seu encanto maior era permanecer no seu próprio mundo bem fechadinho, escondidinho e paralisado.
No dia seguinte a Solidariedade também soube do novo vizinho; passou pela rua e bateu à porta, e da mesma forma o Medo não abriu. Ao longo daquela semana vários outros sentimentos passaram por ali: A Alegria, a Ternura, a Esperança e muitos outros, todos eles baterem na porta do Medo, mas para nenhum deles a porta se abriu.
Como a rua era pública e todos podiam passar, um dia passou a Solidão, que ficou encantada ao encontrar aquela casa com aquela porta fechada — como gostava de portas fechadas a solidão. Aproximou-se, bateu e chamou: "Vizinho, vizinho, sou eu a Solidão, estou aqui para dar-lhe as boas vindas no bairro". Pouco tempo depois a porta estava aberta, e entrava casa adentro a Solidão, dando um grande abraço no seu novo amigo, o Medo.
A Solidão gostou da casa, bem como de seu novo amigo, o Medo; pouco tempo depois ligou para sua amiga, a Angústia, falando do novo vizinho, e aquela rapidamente foi até lá, e foi também muito bem recebida pelo Medo.
A Angústia ligou para o Ressentimento, que ligou para a Raiva, que ligou para o Rancor, que ligou para a Indiferença... e assim todos eles naqueles dias foram visitar o Medo, que abriu calorosamente a porta para cada um deles, de forma que, em pouco tempo possuía ele ali na cidade das emoções, finalmente, um grande círculo de amigos.
Então, finalmente, naquele final de tarde, quando a escuridão principiava no horizonte, o Medo saiu de sua casa, pegou uma escada, e subindo nesta, finalmente gravou lá no alto da fachada: Lar da Depressão.
Na manhã do dia seguinte passou o Amor; olhou para a casa e o quintal, percebeu que tudo estava fechado, leu a fachada, e como sabia que não seria recebido — não havia maçaneta na porta —, e também por respeitar a privacidade do seu vizinho, seguiu o seu caminho, tão leve como um passarinho. Um dia, quem sabe, ele poderia fazer uma visita — o Amor não entra pelas portas fechadas do coração.
Rio de janeiro, 18 de Outubro de 2018.