Os Baldes da Doutora

Era um domingo e o Agricultor preparava-se para ir para o campo plantar suas árvores. Muitas mudas já estavam preparadas para a pequena viagem de oito minutos entre sua casa e sua roça, porém faltavam ainda algumas e ele não sabia ainda como levá-las, até que, na presença de seus vira-latas observou os baldes da doutora...

Sim... os baldes resolveriam o problema; poderia levar as mudas ali, mas aqueles baldes bonitos e coloridos eram baldes de roupas e não de plantas, e se a doutora descobrisse... Ele já havia sido avisado diversas vezes, "Não leve os meus baldes meu bem, não leve os meus baldes..." Mas o Agricultor, como todos os demais humanos era humano também... "Ela não descobrirá, antes das dez estarei em casa, e antes dela acordar os baldes já estarão de volta e limpinhos lá na área, fácil, fácil, será um pequenino segredo, sabido apenas por mim, e claro, pelo meu Pai, o Criador."

Enquanto ia a caminho ele continuava a pensar naquela doutora tão especial, que chegava mesmo a possuir a beatitude dos santos, aquela que cuidava tão bem das pessoas, de todas elas, crianças, jovens, adultos e idosos, independentemente de sua condição social, que cuidava também dos bichos e das plantas, e então riu quando soube das histórias dela de alimentar os pombos nas praças, de levar pão para os vira-latas de rua, que ao sentirem sua presença a seguiam, assim como os discípulos seguem o seu mestre, arrumando mesmo dono para eles; era muito amor para uma criatura só, de forma que com relação aos baldes...

No campo ele plantou muitas árvores, a manhã estava muito agradável, e ele vivendo aquelas horas com leveza e alegria, até que chegou o momento de voltar; voltando, encheu ainda os baldes com terra, um pequenino agravante, e atrasou-se um pouco chegando em casa um pouco além do horário habitual. Importante ressaltar que se o dia estava bom para plantar, estava igualmente bom também para lavar roupas, de maneira que a doutora já havia acordado e procurava pelos seus baldes, e então...

O Agricultor não tinha mesmo como negar, não tinha como esconder o fato, não conseguiria naquele momento fazer nenhuma baldeação, pensou mesmo numa delação premiada, mas ela já sabia, já havia visto os baldes cheios de terra em suas mãos, era mesmo impossível negar que mais uma vez os baldes haviam ido para o mato.

A doutora falou e falou, e ele quieto ouviu e ouviu, não resmungou, não questionou, não gritou, não protestou e não blasfemou; seus vira-latas, eternos amigos e agora cúmplices, achava ele, ouviam também, e então por um momento os olhos do Agricultor da terra finalmente encontraram-se com os da doutora do céu, a doutora dos pés descalços, num instante breve o suficiente para plantar toda uma floresta, um instante infinito o bastante para curar todas as doenças, e dentro deste eterno olhar tiveram a compreensão mútua do imenso amor que os unia, apesar de todos os baldes.

Rio de Janeiro, 07 de Fevereiro de 2017.

Agricultor Urbano
Enviado por Agricultor Urbano em 06/10/2022
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