Os Fios da Emoção

Ninguém soube ao certo como aconteceu, foi tudo muito rápido, talvez uma revolução, ou um devaneio qualquer, ou quem sabe ainda um curto circuito; sabe-se somente que naquele dia, naquele primeiro momento de consciência, houve para aquele homem um rompimento com o canal de suas emoções, canal por onde passavam seus sentimentos, ligando sua mente ao seu coração através de minúsculos fios.

Ocorreu então uma ruptura entre o seu pensar e o seu sentir, e desde então, passou ele a viver somente de forma mental, não vivenciando mais nenhuma, ou quase nenhuma das emoções existentes em si mesmo.

No momento em que o canal foi fechado, isolando o seu coração, nem todos os fios condutores das emoções foram rompidos, restou ainda intacto o fio da angústia, de forma que daquele dia em diante, com o seu coração quase transformado em um local abandonado, quase um deserto, o homem passou a viver somente com a sua mente e esta única emoção restante.

Transformou-se então em uma verdadeira máquina de pensar; conseguia fazer cálculos complexos, imaginar as mais diversas situações, escrevia inúmeras coisas, abstraia-se da realidade com facilidade, viajava mentalmente com grande destreza, ora para o passado, ora para futuro, nunca vivendo o presente, e conseguia criar mesmo mundos imaginários com a sua poderosa e cada vez mais prodigiosa mente, de forma que com o tempo está transformou-se em algo portentoso, o próprio dínamo de sua vida.

Seu viver era pensar, e de vez em quando ele era visitado pela angústia, o sentimento único, e com aquela mente brilhante ele conduziu com relativo sucesso sua vida por muitos anos, porém, tudo para ele era como uma fria equação, não havia emoção, somente pensamento, e de vez em quando ataques de angústia, muita angústia.

Os anos passaram, até que um dia o homem sentiu uma profunda fadiga mental, sua mente havia perdido sua força, ocorreu uma pane, não conseguia mais raciocinar com tanta profundidade, de forma que ele sentia-se como Sanção com os cabelos cortados, completamente subjugado e vencido.

Aos poucos a angústia foi invadindo sua vida, como uma erva daninha, como um hóspede indesejado, passando a ser uma constante, tudo era angústia, e esta doía fundo em sua alma, e o seu pensar não mais conseguia detê-la, por mais esforço que empreendesse. Ele então, derrotado, resolveu observar a origem daquele sentimento, e foi estudando-o e analisando-o, até encontrar em sua mente aquele fio condutor, o da angústia, e ele o seguiu, passando por um canal escuro onde viu muitos minúsculos fios rompidos, e foi caminhando, sempre seguindo o fio, até chegar ao seu coração, e lá ele encontrou muitos outros fios rompidos também, os fios de sua emoção.

O homem gostou de ter chegado ao seu próprio coração, apesar de muitos anos de vida, jamais havia estado ali; aquele local era agradável, havia luz e paz e algo mais que ele não conseguia definir. Sentiu-se tomado por um profundo sentimento de bem estar, era como estar no aconchego de seu próprio lar, ou ainda seguro e protegido como se estivesse no colo de sua mãe.

Depois de algum tempo por ali, voltando para sua casa mental, pegou um dos fios onde lia-se alegria e o levou consigo, e chegando às portas de sua mente ele o emendou à parte rompida. No dia seguinte o homem acordou bem, saiu e plantou inúmeras árvores, e naquele dia ele não pensou em nada, não contou nem anotou a quantidade plantada, apenas sentiu algo muito suave, um profundo sentimento de bem estar, então ele percebeu que estava sentindo alegria, e a alegria era leve como o voo de uma ave, e tão agradável e doce como o beijo de um namoro, e era maravilhoso sentir alegria.

Daquele dia em diante ele sempre entrava por aquele canal, seguindo o fio da angústia, chegando ao seu coração, e lá pegava um fio rompido e o conduzia à sua mente, onde o religava. No dia que ele religou o fio da fé, uma luz imensa brilhou dentro dele, ele passou a sentir que não estava só, que era parte de um todo, como uma árvore em uma floresta, sentindo-se amparado e confiante, e neste dia ele relaxou e contemplou o por do sol e admirou a beleza de um céu azul, sem nenhuma preocupação ou cálculo, e desde então nunca mais sentiu medo de viver, sentia-se como um filho do universo, amado e amparado por um Pai infinitamente amoroso.

Numa certa tarde ele religou o fio da gratidão, e então ele descobriu que a bondade que habitava nele também habitava nos outros, e sempre que alguém o ajudava de alguma forma, ele sentia a necessidade de retribuir, pois era maravilhoso estar próximo dos bons, e a gratidão era também uma imensa alegria, como uma fonte que jorra e vira regato, que morre e vive rio, que também morre e vive mar, que morrerá também, transformando-se em oceano, fonte de vida.

Numa manhã outonal ele pegou o fio da esperança e também o religou e a partir de então ele sentiu em si que a esperança era como o prenúncio de uma certeza, era como os sinais das primeiras chuvas da primavera, e ele sentiu que a esperança trazia no seu bojo infinitas razões para viver.

E assim, fio por fio, ele foi juntando cada um deles, e quando descobriu e religou o fio da amizade, percebeu que os amigos eram ele mesmo nos outros, e era ótimo estar com os amigos e compartilhar com eles sua presença, e então neste dia desapareceu sua solidão.

Dia após dia ele religava com muita alegria todos aqueles fios rompidos; o caminho para o seu coração agora era breve e iluminado, uma maravilha, e a cada novo sentimento religado, uma nova descoberta, uma nova forma de viver, sua mente ia aos poucos renascendo, o seu pensar voltava aos poucos, porém agora sem nenhuma tensão.

No dia em que ele ligou o fio do perdão, compreendeu e aceitou a si mesmo conforme ele era; neste dia ele descobriu a humildade, e como um milagre, passou a gostar e a aceitar os outros também, era libertador o perdão.

Depois de religar quase todos os fios, ele percebeu que o fio da angústia não existia mais, sentindo que ela nada mais era do que a tentativa de negação de todos os demais sentimentos que habitavam no seu coração, e que havia sido por muitos anos a sua única emoção.

Finalmente ligando ainda mais um fio, o último, ele sentiu pela angústia que havia partido algo grandioso, infinito; ela havia sido uma instrutora que havia mostrado para ele o caminho de volta para o seu próprio coração, uma ponte para o seu mundo interior, devolvendo-lhe a sua plenitude, colocando-o em contato com tudo aquilo que habitava dentro dele e fazia parte de sua natureza, e a angústia havia partido, partido para sempre... finalmente ele sentiu que aquele último fio era o amor, e percebeu que amava a própria angústia, e consequentemente amava também a si mesmo.

Rio de Janeiro, 29 de Dezembro de 2016.

Agricultor Urbano
Enviado por Agricultor Urbano em 05/10/2022
Reeditado em 05/10/2022
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