O Agricultor e as Bolotas Solares
Era abril, princípio de outono; o Agricultor Urbano levantou cedo e foi para o campo. No caminho foi abordado por seu velho conhecido, o Fulano.
— Bom dia Agricultor.
— Bom dia Fulano.
— Onde vai tão cedo?
— Vou para o campo colher a luz do sol.
Fulano não falou nada e seguiu adiante; "onde já se viu colher luz do sol, onde já se viu?" pensou solitariamente seguindo seu rumo. Ao longo daquele dia o Agricultor carpiu o capim que crescia paralelamente à cerca, juntando posteriormente tudo em pequenos montes. No dia seguinte novamente Fulano encontrou o Agricultor na sua lida no campo.
— Como vai Agricultor?
— Vou bem, obrigado.
— O que faz ai tão cedo e com tanto entusiasmo?
— Estou amontoando a luz do sol que colhi ontem.
Como no dia anterior, Fulano nada comentou e seguiu adiante pensando "ele não deve estar muito bem das faculdades mentais, ao longo de minha vida nunca vi ninguém amontoar a luz do sol". Depois do capim carpido e amontoado e o sol já se pondo no horizonte, o Agricultor seguiu para sua casa admirando e agradecendo ao seu Deus pela beleza de todas aquelas árvores ao seu redor.
Mais uma manhã e lá no campo o Agricultor principia a tarefa de depositar toda aquela luz solar nos pés de suas inúmeras plantas — araçás, goiabeiras, paineiras, bananeiras, pitangueiras, jaqueiras, girassóis, antúrios, abacateiros, aroeiras, palmeiras, jabuticabeiras...
Não demorou muito e foi abordado mais uma vez por seu velho conhecido, o Fulano, que o observava a algum tempo.
— Como tem passado Agricultor?
— Só por hoje, tudo em paz Fulano.
— O que faz aí com tanta vitalidade e energia a esta hora da manhã?
— Estou adubando minhas plantas com a luz do sol.
— Por que você não utiliza o 10,10,10 ou o 4,14,8?
— 10,10,10 e 4,14,8 são versículos bíblicos? — perguntou o Agricultor com um sorriso nos lábios.
— Não Agricultor, não! — respondeu Fulano com um certo ar de irritação; 10,10,10 e 4,14,8 são adubos químicos a base de Nitrogênio, fósforo e potássio.
— Não, não uso estes adubos, utilizo somente adubo solar: capim, galhos podados, cascas de frutas, folhas caídas das árvores...
"Meu Deus, ele deve ser um iletrado que não conhece as maravilhas dos adubos derivados do petróleo, seu campo tem tudo para ir de mal a pior, o solo aqui é paupérrimo e degradado, uma verdadeira lástima" — refletiu Fulano afastando-se daquele Agricultor ignorante.
Assim como passou muita água sob a ponte dos rios, o tempo também passou trazendo a primavera, que por sua vez carregou a jabuticabeira de flores, que por sua vez carregou seus ramos com frutos de cima a baixo, que por sua vez atraiu insetos, pássaros e obviamente, o Agricultor.
Enquanto Degustava os deliciosos frutos sob a sombra da vigorosa jabuticabeira naquela manhã de domingo, o Agricultor foi mais uma vez notado por Fulano, que desta vez estava acompanhado pelo seu pequeno neto, que ficou simplesmente maravilhado e com água na boca com a cena do Agricultor sob a árvore.
— Moço, moço, o que o senhor está comendo aí debaixo da árvore? — perguntou o menino de forma natural.
— Estou comendo bolotas solares. Pule a cerca e venha até aqui para experimentar a oitava maravilha do mundo.
Mal terminou de proferir a frase e a criança já estava trepada na jabuticabeira deliciando-se com a doçura de cada fruto.
— Venha vovô, venha vovô, venha até aqui comer as bolotas solares da jabuticabeira do Agricultor, são redondinhas e pretas por fora, branquinhas e doce por dentro, muito doces, venha vovô!
Lá do rés do chão era possível ouvir do alto da jabuticabeira a voz da criança...
— Deus seja louvado por estas bolotas solares Agricultor, Deus seja louvado!
Lá do alto da jabuticabeira era possível ouvir ao rés do chão a resposta do Agricultor Urbano...
— Para sempre seja louvado menino, para sempre seja louvado.
Lá do alto do seu orgulho, perdido entre a razão e a emoção Fulano permanecia estático na beira da cerca, não sabendo o que dizer, não sabendo o que fazer, perdido no paradoxo da suposta ignorância do Agricultor inculto e de sua jabuticabeira adubada unicamente com energia solar, porém abarrotada de frutos de uma forma tão contundente que dispensava qualquer dissertação científica ou pregação religiosa.