O Agricultor, a Angústia e o Estrume do Gado

Cinco horas da manha de domingo, o Agricultor acorda; o som da música ao longe chega aos seus ouvidos, era o final do baile de sábado, e com a música chega também a sua angústia batendo forte em seu coração, "o que fazer?", pensava ele enquanto tentava conciliar os seus pensamentos em desalinho. Não demorou muito e surgiu em sua tela mental o seu Velho Conhecido.

— Bom dia Agricultor, muita angústia hoje pelo que estou percebendo.

— Bom dia Velho Conhecido; isto é um fato!

— Talvez posso ajudá-lo a resolver isto, que tal umas voltas por aí e umas boas compras?

— Já tentei e não resolveu.

— Então um filme, ou um jogo de futebol pela TV, ou ainda um daqueles mágicos jogos de basquete da NBA que você tanto gosta, experimente... creio que depois disto o problema esteja resolvido.

— Não estará não Velho Conhecido, isto tudo me entorpecerá por algum tempo, mas depois a velha angústia voltará para o seu plantão mais angustiada do que antes.

— Não se desespere Agricultor... experimente algumas daquelas antigas canções sentimentais que você tanta ama, e enquanto estiver ouvindo as músicas, solte seus pensamentos e deixe que todos os seus amores platônicos façam uma visitinha ao seu coração, isto será um verdadeiro tiro na mosca da sua angústia.

— Ah Velho Conhecido... isto será como colocar lenha na fogueira ou fogo no circo; se este velho artifício de fato funcionasse, minha angústia nesta hora já estaria mais longe do que a mais distante das estrelas do céu.

— Que tal então uma excursão: Aparecida do Norte, Meca, Medina, Caminho de Santigo... creio que isto possa resolver a questão de forma definitiva.

— Já gastei muita sola de sapato nestas andanças, mas quando volto para casa a velha angústia volta também, ela parece eternamente jovem e imortal. Você tem mais algum truque na cartola?

O Velho Companheiro ficou aborrecido com a resposta e resolveu jogar pesado.

— Bebidas, festas, noitadas, amores ocultos, substâncias entorpecentes, poder político, poder financeiro, prestígio, fama, sucesso... Garanto para você que a sua angústia não resistirá a estes maravilhosos eventos mundanos e finalmente partirá para os quintos dos infernos, que tal?

— Que tipo de amigo é você que me aponta este caminho de destruição interior, de onde sairei mais angustiado do que folião desempregado e abandonado pela mulher amada na quarta-feira de cinzas?

— Meu caro, não sou seu amigo, sou tão somente seu velho ego, apareço somente sob o seu chamado, e ajo somente segundo os meus próprios interesses, você sabe muito bem disto! — exclamou o velho ego bastante raivoso.

— Você tem razão velho ego. Tenho uma ideia para trazer paz ao meu coração e dar uma boa trégua para a minha angústia.

— Ideia, que ideia? Ah já sei... vai bailar as últimas músicas no baile ao longe.

— Não! Vou para o quintal pisar no chão, cuidar da terra e das árvores... gostaria de acompanhar-me? Levarei um saco de estopa, pois na volta coletarei no pasto estrume de gado para adubar as plantas; creio que precisarei de sua ajuda, o que você acha?

— Estrume de gado? Você está ficando doido? Acha que eu vou sujar minhas mãos com terra e bosta de boi? Pode ir tirando o seu cavalinho da chuva e não conte comigo seu caipira incorrigível, vá plantar batatas! — falou o ego aborrecido enquanto virava as costas e desaparecia em direção ao baile, ao vinho, ao perfume das mulheres e as ilusões, pisando duro feito uma criança birrenta.

Diante da natural recusa do seu velho ego, o Agricultor seguiu em paz para o campo, o sol começava a despontar no horizonte e os pássaros cantavam alegremente nas copas da árvores; notou também que sua angústia não estava mais por ali, por também não gostar do cheiro do estrume, muito provavelmente ela havia acompanhado seu velho ego — aquele boi manhoso e imaturo —, em direção aos últimos acordes do baile.

Agricultor Urbano
Enviado por Agricultor Urbano em 29/09/2022
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