Os Baldes Sem Alça e Sem Fundo
Os velhos baldes viviam felizes na presença do Agricultor Urbano; muitos deles foram recolhidos em entulhos de obras por onde pisavam suas botas: baldes rachados; baldes deformados; baldes desprezados; baldes grandes; baldes pequenos; baldes tortos; baldes direitos; baldes perfeitos; baldes imperfeitos... Os baldes eram geralmente utilizados para carregar mudas para reflorestamento morro acima, terra para futuras mudas morro abaixo, sementes, algumas pequenas ferramentas e outras coisas mais, e neste vai e vem de baldes a mata renascia, e aos poucos, o solo degradado pelos homens de outrora era paulatinamente recuperado pelo Agricultor de agora.
Um dia, um dos velhos baldes com alça perdeu o fundo, sendo colocado em um canto do escritório do Agricultor, o velho galinheiro desativado. Num outro dia, um dos velhos baldes com fundo perdeu a alça, e foi também colocado no mesmo canto do seu rústico escritório, bem pertinho do outro balde; ambos os baldes estavam encostados e sem condições para trabalhar, e grande era a tristeza deles.
— O que será agora de nós irmão Sem Alça, provavelmente seremos jogados fora e chutados por toda a gente — falou com pesar o balde Sem Fundo.
— Que dor irmão Sem Fundo, que dor... vivi muito tempo desprezado por todos em um monte de entulho abandonado, e agora tenho receio de voltar para lá novamente — respondeu com sofrimento na alma o balde Sem Alça.
Veio o outono; o Agricultor guardou todos os demais baldes no mesmo canto do galinheiro, havia chegado o tempo de podas e neste período do ano os velhos baldes tiravam férias.
O outono passou, veio o inverno que também passou — tudo passa —, até que chegou setembro trazendo com ele a primavera e o fim das férias dos baldes — havia muita terra para carregar com a finalidade de encher as embalagens para o plantio das novas mudas.
O Agricultor foi ao antigo galinheiro buscar seus velhos amigos — os baldes — para a nova temporada de trabalho, e de lá foi retirando um por um — a alegria deles era de encher os olhos —, até que restaram somente os dois últimos, o balde Sem Alça e o balde Sem Fundo, ambos numa tristeza de rachar o coração de qualquer ser vivente sobre a terra.
— Que tristeza é esta meus queridos baldes, o que houve? — inquiriu amorosamente o Agricultor.
— Ah Agricultor... estou incapacitado para o trabalho — respondeu desoladamente o balde Sem Alça.
— Agricultor... estou encostado aqui e infelizmente não tenho mais utilidade — comentou com os olhos rasos de lágrimas o balde Sem Fundo.
— Meus baldes amados, por que não falaram comigo antes? Saibam que o armazenamento de emoções negativas envenenam as artérias, o coração e a vida.
— Fiquei com receio de ser rejeitado novamente — respondeu o balde Sem Alça.
— Meu maior temor era o de ser novamente chutado Agricultor, como dói isto em mim — falou o balde Sem Fundo.
— Baldes, baldes, nada disto, vocês continuam tão úteis como no verão passado. Proponho um arranjo que possa resolver tudo isto de uma forma muito simples, trazendo alegria para todos nós: Vou colocar o balde Sem Fundo dentro do balde Sem Alça, desta forma o Sem Fundo ajuda o Sem Alça e o Sem Alça auxilia o Sem Fundo, formando uma unidade fraterna, o que vocês acham?
— Imensa gratidão Agricultor, mas o que aconteceria conosco se ambos estivéssemos sem alças ou sem fundos, seríamos jogados fora? — perguntou ainda o balde Sem Alça.
— Sem Alça, olhe ao seu redor, o que você observa?
— Observo uma uma imensa quantidade de árvores plantadas Agricultor.
— Todas as sementes destas árvores foram plantadas em berços Sem Alça!
— Como assim berços Agricultor — questionou o Sem Fundo?
— Quando tenho em mãos um balde sem alça sem um balde sem fundo, ou um balde sem fundo sem um balde sem alça, utilizo então estes baldes como berços para semear as árvores que virão.
Sem Alça e Sem Fundo eram muito questionadores e desejavam agora conhecer toda a verdade.
— Mas Agricultor, e se ficarmos em um estado de inutilidade total, então neste caso seríamos finalmente jogados fora, voltando novamente para os montes de entulhos anônimos? — perguntou o Sem Fundo.
— Neste caso extremo vocês também não seriam jogados fora meus amigos, iria simplesmente encaminhá-los para a indústria da reciclagem, e de lá vocês renasceriam novinhos em folha como baldes ainda, ou outro objeto de plástico qualquer.
Indescritível foi a alegria dos baldes Sem Alça e Sem Fundo, imensurável o contentamento dos demais baldes ali presentes, pois naquela prosa com o Agricultor Urbano todos sentiram em si um sentimento de imortalidade e renovação constante da vida.