O Juiz ideal. Será que vale a pena?
O Juiz ideal. Será que vale a pena?
Creio que os jurisdicionados guaxupeanos já puderam perceber que na condição de juiz, tenho me posicionado de uma forma bem liberal no trato com as pessoas, pois creio ser bem receptivo (em que pese minha carranca). Como se isso não bastasse, também creio que já perceberam que procuro interagir com o cidadão em qualquer circunstância e por qualquer meio possível. Assim, fácil perceber que tenho um perfil, para a incredulidade dos conservadores (juízes e cidadãos), que vai de encontro com o perfil da esmagadora maioria dos magistrados. Defendo a escola liberal que incentiva o juiz interagir com o cidadão, pois não mais se pode viver longe daquele que paga o nosso salário. Temos contas a prestar a sociedade, então temos por dever e obrigação com ele, interagir em todas as frentes, sem que isso possa interferir em sua parcialidade e senso de justiça.
É unânime a idéia de que o juiz contemporâneo não deve jamais se prender ao que determina a lei como se dela fosse escravo. O magistrado tem por função, ainda que alguns, pasmem, não tenham se dado conta, a distribuição da justiça, isto é, dar a cada um aquilo que lhe pertence, sem a preocupação de se apegar à letra fria da lei.
Já não mais é novidade para ninguém sobre a necessidade da rediscussão do papel do juiz na sociedade atual. O juiz não pode ficar alheio ao jogo de interesses que permeia a elaboração das normas com as quais irá julgar. Para tanto, necessita de imparcialidade e distância dos benefícios que sua carreira profissional pode lhe trazer a fim de não comprometer a decisão justa à que cada cidadão tem direito. Pode parecer contraditório, mas isto não implica em afirmar que deva julgar contra legem, mas que decida de acordo com os postulados constitucionais amparados nos tratados e convenções relativos aos direitos humanos, civis e políticos de cada Estado. Necessitamos urgentemente do juiz que observa no réu um ser humano, e não um desafeto social que, simplesmente, merece a masmorra em vez da condenação justa, digna de um Estado Democrático de Direito.
Falo do juiz que a sociedade espera para o século atual, isto é, que interage com a sociedade, que seja imparcial, honesto, digno do cargo que ocupa, conhecedor do direito e não, necessariamente, jurista, arrogante na decisão da causa, porém humilde no trato com os sujeitos que intervém no processo e, principalmente, respeitador do Tribunal à que está vinculado, mas não submisso. A submissão é a vergonha da toga. O respeito, seu engrandecimento.
Temos necessidade de buscar nos pretendentes ao nobre exercício da magistratura e, naqueles que estão a judicar, um novo perfil, o perfil do juiz cavalheiro, simpático e humilde. Juiz que não tenha medo de seus posicionamentos, seja de ordem pessoal, social, e, sobretudo jurídico. Juiz acessível e que nunca se esqueça de que está a serviço do cidadão na distribuição da Justiça.
O empresário deve explicações ao dono da empresa, através de seus prepostos, enquanto o funcionário público/agente público (juiz) tem a obrigação de prestar contas ao povo; aquele quer aumentar o patrimônio que administra, enquanto o ganho do outro se situa na facilitação da vida do cidadão. Ambos, empresário e prestador de serviço na área pública, não podem ser prepotentes, antipáticos, extravagantes, arrogantes, mas inserir em seu perfil o cavalheirismo, a simpatia, a humildade, a acessibilidade. Tem que despertar a confiança para que o cidadão possa sentir a segurança e certeza de que seus direitos estarão preservados pelo equilíbrio, conhecimento, bom senso do julgador.
Não é novidade para ninguém que o povo entende ser a justiça antiquada, acomodada, lenta, elitista e ineficiente. Assim, também, vê os Juízes. Ninguém nega o mau relacionamento entre o cidadão e o Judiciário, e este afastamento inicia-se internamente, pois o próprio servidor não tem fácil acesso ao magistrado. Imagine-se o cidadão comum! Eu diria: ou como um colega se refere: ‘o pobre mortal’. Esta distância não pode nem deve prevalecer, pois a perfeita democratização do Judiciário situa-se exatamente na confiança do povo na Justiça que tem. E para confiar na Justiça, primeiro tem que confiar no seu Juiz. Mas para confiar no ‘seu Juiz’ esse tem que ter um perfil que permita ao cidadão ter acesso e oportunidade para com ele travar diálogos, interagir em qualquer circunstância.
A estrutura emocional do homem altera-se na medida em que obtém maiores poderes. Isso ninguém ignora. Quando isto acontece e a autoridade não consegue reprimir este instinto prejudicial ao exercício da função pública – ‘juiziti’, ingressa-se no terreno da futilidade. Na magistratura, o fenômeno ‘juiziti’ impede a aproximação cidadão/Judiciário. Na verdade, como já se disse, “o juiz deve sentir o que o povo sente, perceber sua angústia, as dores, não se ausentar do mundo para ser mero aplicador da lei”. O Juiz nunca pode esquecer que também é povo. Acrescento, o juiz tem que estar integrado à sociedade em que vive. Não mais se tolera o juiz ermitão, o juiz que foge do cidadão como o diabo foge da cruz. Ele tem que conhecer seus jurisdicionados. Não basta o conhecimento formal através de seus processos. O juiz não pode deixar de sentir o cheiro do povo, ao contrário do que um ex-Presidente da República, quando da ditadura militar, teria dito que preferia o cheiro do seu ‘cavalo’ ao cheiro do povo.
Oportuna é a conscientização do magistrado de que ele é um homem que está a serviço da sociedade e, portanto falível. É obsoleta a expressão de que, como já fora dito “a Justiça tarda, mas não falha”; verdadeira, real é a outra expressão de que “a Justiça falha, quando tarda”. A humildade que deveria ser elementar, torna-se qualidade, dada a prática deste atributo por poucos. Os juízos não são fábricas de injustiças. As pesquisas mostram a descrença do povo no Judiciário; este posicionamento não é isolado, mas conseqüência da desilusão do cidadão em todos os serviços prestados pelo Poder Público sem exceção.
No entanto não podemos esquecer que pesada é a função de ser magistrado, de julgar seu semelhante, de decidir o destino de pessoas, de famílias, de comunidades. Os juízes sacrificam a sua saúde, o convívio familiar e social, para tentar atender à crescente demanda, que hoje chega a 100 milhões de processos, um para cada dois brasileiros.
Além do natural peso do cargo, a pressão e os ataques externos são reais e afetam inúmeros juízes em todo o Brasil. A interferência do poderio político e econômico é uma constante. É uma realidade amarga que o Brasil precisa reconhecer e combater se quiser ser uma Democracia verdadeira. A magistratura brasileira está à altura da missão que lhe foi confiada e vigilante para fazer cumprir a Constituição que jurou defender.
Tal é a fraqueza humana: os cidadãos frequentemente têm de curvar-se perante a força, são obrigados a contemporizar, não podem ser sempre os mais fortes. O futuro, entretanto mostra novo perfil do juiz, na expressão de Maurice Aydalot e Jacques Charpentier: “Não é proibido sonhar com o juiz do futuro: - cavalheiresco, hábil para sondar o coração humano enamorado da Ciência e da Justiça, ao mesmo tempo em que insensível às vaidades do cargo; arguto para descobrir as espertezas dos poderosos do dinheiro; informado das técnicas do mundo moderno, no ritmo desta era nuclear, onde as distâncias se apagam e as fronteiras se destroem, onde, enfim, as diferenças entre os homens logo serão simples e amargas lembranças do passado.”
Senti-me motivado a redigir de inopino este texto em homenagem ao Tião Cascudo. Mas por que o Tião Cascudo? Porque sem perceber ele serviu ao meu intento sem se dar conta quando fez publicamente vários questionamentos quanto às decisões de processos que tramitam na minha vara. E tal foi muito interessante porque permitiu-me com ele e com os que lêem, interagir com o povo e poder esclarecer questões que jamais seriam postas publicamente. Creio ser este o papel do Juiz contemporâneo, isto é, manter um fedbak das questões que são do interesse não só das partes envolvidas no processo, mas da sociedade como um todo. Com isto ter a oportunidade de ensinar e aprender. E se aprende com o Tião Cascudo, como se aprende com Eisntein.
Assim tenho procurado moldar meu perfil de modo a não fugir e se esconder do cidadão como faz a magistratura. O meu perfil de Juiz é o perfil do Juiz contemporâneo. Sei que é perigoso a exposição, mas basta não perder de vista as restrições que a função nos impõe.
Guaxupé, 29/09/16 (11:45 hs)
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito
Adendo/atualidade
Pois bem, aproveitando o ensejo e complementando este texto, observo que hoje, atualidade, estamos na berlinda e mal com a sociedade, não por nossa culpa (juízes) e, sim, por conta dos ‘iluministros’. A ojeriza da sociedade quanto ao STF, pois na órbita popular STF e Judiciário e Juizes são uma só ‘coisa’, nos enxergam como os vilões da atualidade. Hoje todo mal é culpa dos juízes.
Diversas objeções têm sido opostas, ao longo do tempo, à expansão do Poder Judiciário nos Estados constitucionais contemporâneos. Identificam-se aqui três delas. Tais críticas não infirmam a importância do papel desempenhado por juízes e tribunais nas democracias modernas, mas merecem consideração séria.
O modo de investidura dos juízes e membros de tribunais, sua formação específica e o tipo de discurso que utilizam são aspectos que exigem reflexão. Ninguém deseja o Judiciário como instância hegemônica e a interpretação constitucional não pode se transformar em usurpação da função legislativa. Aqui, como em quase tudo mais, impõem-se as virtudes da prudência e da moderação.
Crítica político-ideológica, pois juízes e membros dos tribunais não são agentes públicos eleitos. Sua investidura não tem o batismo da vontade popular. Nada obstante isso, quando invalida atos do Legislativo ou do Executivo ou impõe-lhes deveres de atuação, o Judiciário desempenha um papel que é inequivocamente político.
Essa possibilidade de as instâncias judiciais sobreporem suas decisões às dos agentes políticos eleitos gera aquilo que em teoria constitucional foi denominado de dificuldade contramajoritária.
A jurisdição constitucional e a atuação expansiva do Judiciário têm recebido, historicamente, críticas de natureza política, que questionam sua legitimidade democrática e sua suposta maior eficiência na proteção dos direitos fundamentais.
Ao lado dessas, há, igualmente, críticas de cunho ideológico, que veem no Judiciário uma instância tradicionalmente conservadora das distribuições de poder e de riqueza na sociedade. Nessa perspectiva, a judicialização funcionaria como uma reação das elites tradicionais contra a democratização, um antídoto contra a participação popular e a política majoritária.
Guaxupé, 20/09/22.
Milton B. Furquim
Juiz de Direito