CAMPO SANTO DE FUTEBOL

Autor Múcio Ataide

(para conhecer mais sobre o autor e adquirir livros

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Fui ao cemitério numa tarde de sábado e um fato curioso e até horripilante me aconteceu.

Gosto de ir visitar o chamado campo santo. Sinto ali uma paz muito grande. Mas nunca quis ficar por lá. Apenas uma visita aos meus queridos que ali residem para um breve bate papo e volto para o meu canto, por mais que os moradores do local insistam para que eu fique eu respondo – Deixa isso mais para frente. Deixa eu completar minha jornada aqui primeiro.

Comparo aquele local a um condomínio, até já escrevi uma crônica com esse título. Um condomínio de muro baixo, sem estacionamento porque nenhum morador de lá tem carro.

Também não se tem muita preocupação com a segurança, pois lá dentro não existem ladrões. Quem vai morar por lá deixa todos os pertences do lado de fora.

Lá não se pode entrar com carro nem com nenhum pertence somente a roupa do corpo.

A mudança para o local é feito com toda a pompa. O novo morador chega sempre num carro bonito com luzes em cima. Muito bem vestido, maquiado, coberto por um belo terno de madeira, com a elegância dos pés bem juntos e as mãos sobrepostas como quem está rezando. Sua chegada é tal qual a chegada de um rei. Tem até alguns súditos que acompanham a mudança.

A população do bairro onde fica esse condomínio aumenta a cada dia. O local é bem disputado. Mesmo sem querer as pessoas vão para lá. O bairro São Francisco em Pitangui MG é o bairro onde a população aumenta a cada dia, graças a dois condomínios existentes no bairro. Todo dia tem um morador novo chegando por lá. O bairro é divido em duas partes a de cima e a de baixo.

Os condomínios têm moradas mais simples e outras mais sofisticadas. Prédios de um, dois e até de três andares. Os apartamentos, porém são muito pequenos, apertadíssimos.

Os moradores do local são muitos magros, “o puro osso”. Logo após a chegada ao local começa o regime. Nada de comida, e com o tempo vão emagrecendo... O que parece bem contraditório levando-se em conta que levam uma vida muito sedentária. Ficam quietos o dia todo, era para engordar e não emagrecer. Para falar a verdade nem se mexem. Talvez pela tranquilidade do local, ficam dormindo o dia todo. O dia e a noite. Para ser sincero é um povo bem preguiçoso, trabalhar nem pensar. Só dormir e descansar. Mas lá só tem gente fina. Finíssima.

Uma coisa que admiro em todos eles é o silêncio, ah isso eles sabem fazer muito bem, são muito calados. Às vezes vou lá para conversar com algum morador do local meu amigo ou amiga e somente eu falo. Eles não respondem, apenas ouvem atentamente. Ficam caladinhos. Muito quietos! Nem se coçam. Tem horas que acho isso até mesmo uma falta de educação. Eu falo e ninguém responde. O silencio reina absoluto naquele local.

Por outro lado nunca xingam ninguém e nem reclamam de nada. A humildade é tamanha por ali! São de paz, nunca vi nenhum deles brigando nem ofendendo um vizinho.

Um dia vendo o apartamento minúsculo de meus pais, alias acho que eles deram bobagem de deixarem uma casa confortável para morarem num cubículo tão apertadinho, e vendo em frente o do tio João, fiquei imaginando se nas tardes de domingo eles não fazem aquela animada cantoria. Um canta de cá, o outro responde de lá. Devem fazer uma festa. Será que lá pode se contar piadas e dar gargalhadas?

Embora ninguém trabalhe por ali a atividade agrícola e a pecuária acontecem. Cultivam a terra com os melhores fertilizantes e adubos. E têm uma bela criação de vermes. Vermes gordos e bem nutridos, orgulho da pecuária do lugar. Os habitantes desse simpático condomínio são tão amantes do chão que chegam a virar sementes. Ah se mente! Feito meninos travessos adoram brincar na terra. Vivem na terra! Ah como gostam de terra. Não saem de lá nem mortos.

Resumindo eu amo aquele povo que “vive” por lá.

Um dia vou morar nesse cercadinho, mas espero que este dia demoreeeeee.

Mas deixando a bobagem de lado vou continuar contando o fato ocorrido comigo no campo dito santo. Enquanto rezava ao lado do tumulo de um parente, vi uma coisa estranha ao meu lado. O que era aquilo? Uma bola grande? Cheguei mais perto e então compreendi que era um crânio.

Fiquei um pouco assustado e saí procurando o coveiro para informá-lo.

O homem muito bravo me explicou que eram os meninos da redondeza que costumavam aproveitar alguns túmulos com a tampa solta e tirar dali os ossos para brincar com eles. Provavelmente usavam a caveira como bola.

O operário da morte pegou o crânio e o segui até um túmulo onde faltava uma tampa na parte de baixo. O homem colocou a caveira lá de forma que esta ficou “olhando” para frente, e essa visão pareceu -me muito aterradora.

Percebi no fundo do tumulo um paletó azulado e saindo dele ossos compridos.

Lendo as placas no túmulo vi que apenas homens estavam enterrados ali.

Era o que sobrara de uma vida.

Pensei: talvez este sujeito tenha sonhado como muitos, um dia ser jogador de futebol, mas jamais imaginou que se tornaria a bola.