Lições da vida
Sou negro; nasci no município de Mimoso de Goiás outrora distrito de Niquelândia. Pela minha origem ou árvore genealógica vejo que há uma mistura de raças, como de brancos, negros e índios. Os meus avós paternos eram brancos (loiros). O meu avô materno era negro, filho de um negro com uma mulher loira. Conforme a minha tia Otaciana (79), a minha tetravó materna era índia, foi capturada por meio de um cavalo de carreira e um laço. Havia muitos índios na região.
O meu pai se chamava Odom Rodrigues Pimentel (in memoriam) nasceu numa aldeia no município de Mimoso no dia 29 de novembro de 1936. A minha mãe se chamava Conceição José Martins (in memoriam), nasceu no dia 07 de dezembro de 1940, também numa aldeia próxima. Com 14 anos a minha mãe fugiu com meu pai. Os ascendentes de minha mãe fizeram uma diligência e os localizaram e foram obrigados a se casar em Mimoso devido a rigidez da época. E foram morar numa fazenda chamada Toucinho, hoje cognominada Bom Jesus, banhada pelo Rio Bom Jesus de águas cristalinas. Em 2015 voltei na fazenda para tirar uma foto da casa de taipa onde nasci, porém foi destruída há poucos meses, fiquei a lamentar.
Aos 16 anos, a minha mãe deu à luz a Darci, que morreu com 01 ano e poucos meses; e aos 18 deu à luz a Pedro, que morreu no mesmo dia. Às 03 horas, de sábado, 13 de agosto de 1960 foi a minha vez de vir ao mundo. Moradores antigos contam que a minha mãe lavava roupas no rio e me leva para tomar banho, que eu gostava muito de ensaiar a nadar. Tenho uma foto de meus pais nessa época, com minha mãe grávida de mim.
No ano de 1962, os meus pais decidiram sair da região de Mimoso para morarem numa fazenda de nome Cocal de propriedade de Geraldo Scarpellini de origem italiana, no município de Pirenópolis, Goiás. No dia 10 de novembro de 1962, o irmão Afonso nasceu. E no dia 25 de dezembro nasceu a irmã Deusa, lembro-me do seu nascimento que coincidiu com o dia de Natal. Lembro-me do seu Geraldo, alto e loiro, que sempre usava um chapéu de feltro, e da casa onde morávamos. Lembro-me ainda que gostava de andar com meu irmão Afonso no meio das plantações de arroz que nos cobria, e achava interessante. O meu pai me contara que o sr. Scarpelline foi encontrado morto dentro de sua camionete, com uma maleta cheia de dinheiro.
Em 1965 mudamos para o povoado de nome Índio (hoje tem cerca de 400 habitantes) às margens esquerda da rodovia Br-153 (Belém-Brasília) distante 44 km de Pirenópolis, onde o meu pai montou uma venda. No ano seguinte os meus pais decidiram mudar para o povoado de Jaranápolis (hoje população estimada de 1000 habitantes) conhecido por Três Ranchos, 01 km antes, também às margens da rodovia lado esquerdo sentido Belém - PA, onde montaram uma venda maior. O meu pai além de comprar venda, comprou uma casa noutra rua e um caminhão da marca Ford. Lembro-me que o meu pai gostava de nos levar para tomar banho no rio Padre Sousa no lado direito da rodovia. Lembro-me ainda de ter tentado dar a partida no caminhão, que deu arranco e eu saí correndo de medo.
No dia 19 de fevereiro de 1968 nasceu o meu irmão Vilmar, que foi batizado junto com minha irmã Deusa na capela da comunidade, que frequentávamos assiduamente. No mesmo ano fui matriculado no pré-escolar, numa escola precária no povoado do Índio, ia a pé com outros coleguinhas numa distância de 01 quilômetro, e o nome do meu professor era Dererico, onde tive uma boa base, aprendi a soletrar e a escrever algumas palavras, por ser muito exigente.
Ainda no ano de 1968 aconteceu uma pequena tragédia familiar, que poderia ser maior se não fosse a proteção de Deus. Eu estava na escola. O meu irmão Afonso com 05 anos de idade estava no quarto com minha irmã Deusa de 03 anos, quando teve acesso a arma de fogo do meu pai. O Afonso disse para a minha irmã: “Vou matar um urubu”. Colocou o revólver no lado esquerdo do umbigo e puxou o gatilho. Minha mãe ouviu o disparo e assustada pegou o Afonso e foi correndo até a venda. O meu pai pegou o Afonso rapidamente e foi para a rodovia pegar uma carona com destino a Anápolis distante 44 quilômetros. No meio do caminho deixaram o caminhão e pegaram carona numa camionete Ford F-75 para irem mais rápido. O Afonso disse: “Meu pai, Deus não vai deixar eu morrer não”. “Não vai não, meu filho, pode ficar tranquilo”. O meu irmão Afonso chegou desacordado no hospital. O médico disse que se demorasse mais 5 minutos perderia a vida.
Goiânia, 20-08-2022