UMA VISÃO COLORIDA

Adoro as horas que passo em minha companhia. Esses momentos me possibilitam usar meu traje de artista e fazer uma viagem colorida pelos meus pensamentos e sentimentos. Desde garotinha amava ficar só, ficava, como dizia meu avô, apenas pensando com os meus botões. Logicamente que os botões não pensam nem possuem a faculdade de responder as minhas indagações, mas os meus, ao menos permitiam que eu viajasse por horas a fio.

Eu costumava registrar minhas viagens imaginárias, em uma espécie de diário de bordo. Era um caderno simples, que costumava pegar gratuitamente na secretaria da escola onde estudava. Quando olhava para ele, o percebia colorido e conseguia ver as palavras voando com suas letras e asas douradas. Outras vezes esses registros eram feitos em cadernos de desenhos, uma grande tela imaginária que costumava retratar o som de meus sentimentos. Quando me colocava de frente com elas, via uma arte moderna nelas. Havia também os momentos em que desenhava na areia com meus pinceis de gravetos. Eram momentos em que unia a criatividade e a fantasia de uma menina que escrevia e desenhava com a alma brasileira. Saiam histórias incríveis de minha mente e de minha alma.

As histórias que escrevia e as telas que pintava, surgiam sem formalidades, sem influencias externas. Claro, tratava-se de uma obra com identidade própria, a minha, retratando, a essência de uma pequena artista contemporânea com plena liberdade de expressão. Mas isso só acontecia quando eu estava completamente sozinha, vivia temendo os olhares externos, as críticas e ou correções costumeiras. Era por isso que fazia tudo escondida.

Na escola quando a professora pedia para fazermos redações, minha folha retornava toda pintada de caneta vermelha destacando os erros ortográficos. Era a sua arte. A professora não via o que eu via. Ela via apenas os erros, e eu via um mundo em movimento. Eu não via as letras e as tintas dentro do texto da mesma forma como ela via. Olhos de artista são como aqueles fogos de artifícios coloridos espalhando pontos de luz por todos os lados. Acho que os olhos dela estavam apagados.

Na adolescência tive a oportunidade de entrar na aula de pintura, ficava encantada com as cores e sombras, mas não com aqueles desenhos que vinham prontos. Com isso, claro, acabei no abstrato, viajando nos traços das rimas e versos.

Hoje sou um espelho no cenário da vida, mas faço o que gosto no palco do mundo. Sou uma mulher que respira poesia, trabalha na arte da terapia e busca fazer morada no outro através da escrita, pois foi assim que entendi o meu propósito de vida. Quando assumimos nossa essência caminhamos de uma forma muito mais saudável para a vida. Tudo flui. Quando olho por esse ângulo, revolução para mim, vira sinônimo de libertação. É preciso libertar-se para poder também libertar a arte que reside em nós.

Por muito tempo queria largar os padrões exigidos por minha família e sociedade porque as coisas ao meu redor não faziam sentido. Na verdade, desde a infância eu já estava querendo fazer uma revolução em minha arte, tipo o que aconteceu na Linguagem Artística por ocasião do movimento da semana da Arte Moderna possibilitando o início de uma cultura nova e essencialmente nacional. Confesso que fui impactada com a história do movimento literário, pois o pensamento da realidade da arte naquela época, a cem anos atrás, já era o meu próprio pensamento. Percebo a ideia que originou o movimento em mim, pois quando livremente escrevo, procuro também, realizar de certa forma, uma ruptura com as exigências acadêmicas da escrita. Penso que somente com uma linguagem mais popular e menos formal é que conseguirei atingir a todos, independentemente do grau de escolaridade que possuam.

Gosto de escrever do meu jeito, com liberdade e sem formalidades, somente assim conseguirei realizar encontros profundos. Ter liberdade, para mim, é o caminho saudável da arte, uma jornada que traz em si, uma visão mais colorida, uma maior leveza para a alma e para a arte. É assim o meu olhar, não só o feminino, mas também o de artista, que nesta obra se fundem tornando-se unidade. Existe apenas um encontro, como num ato de fecundação entre a alma feminina e a vida, a arte e a libertação, o Criador e sua criação.