AUTORRETRATO HOJE
A fotografia muda a cada nova ruga. É interessante ter consciência das metamorfoses: cada vez que reescrevo, sintonizo com o sujeito de hoje em dia. Muita coisa muda em dois anos, nesta fase. Mas é “top” noite fria com fondue de queijo ou sopão, vinho tinto chileno (cabernet sauvignon), família, eventualmente amigos e os três cuscos escarrapachados ao lado (eram 4). Filmes ou seriados à tarde, sempre pela TV, com menos novidades e mais anêmicos, às vezes futebol pela TV, cerveja ao meio-dia (e só ao meio-dia), churrasco, à La minuta, feijoada, pastel de carne ou aquele suculento mocotó. Coca Zero sem limão nem gelo, suco de tomate temperado ou copo de iogurte natural, no fim de tarde. Gramado com regularidade e 15 a 20 dias de veraneio à beira-mar, no verão: em Xangri-lá, é claro. A casa da gente, na cidade, é o máximo em matéria de conforto e bem-estar. Boa leitura, internet. Muitos textos para escrever: sobrecarrego amigos, mas ninguém é obrigado a ler. Jornais eletrônicos - e, cada vez mais esporadicamente, restaurante com a mulher, especialmente na Serra. A lei seca e aquela do antitabagismo me limitam. Se não puder fumar em sua casa, não me convidem, já considero complicado não poder levar os cachorrinhos. Um "salve" ao Uber e a tele entrega. Praticamente não dirijo mais na Capital. Boa sesta de 40 minutos. Sono de pedra pelas três da madrugada para acordar depois das dez. Alvoroço de família, filhos, netos, improviso e bobagens, gargalhadas com as histórias de sempre e que se renovam a cada encontro. Mergulho no mar - azul, verde ou marrom - pé descalço na areia, rede, boa música dos idos tempos e dança. Tudo cada vez mais raro, aliás, raríssimo, com escassas amizades. Bermuda, calça de brim, chinelo de dedo, camisa com bolsinho e ar-condicionado; no inverno, lareira e pinhão. Um tango argentino, alguns cantos gauchescos, às vezes uma canção de Piaf, doses de Pavarotti, um rock-balada, The Platters e Beatles forever; Chico, Tom, Vinícius, João Gilberto, Elis, Marisa Monte e Caetano. Espaço também para Titãs, Legião Urbana e Skank e o grande Freddie Mercury. Tenho também curtido bastante a música do silêncio. Discussões sobre a Mente Humana, o Ser e o Nada, o Descalabro Econômico, Finanças, a Pessoa e o Estado, o Sexo dos Anjos, o que vem por aí e o que já passou. Política, mas sem histeria ideológica, inclusive por sua atual comicidade. Certo tempo para administrar interesses econômicos. Vontade de neve ou de simples geada, desconforto no verão urbano. Alguns sintomas discretos de TOC. Depressivo, características autistas? Não, engano; apenas, às vezes, introspectivo, contemplativo e um tanto alheio, perdido nas ideias. Necessidade enorme de escrever. Crítico, especialmente com o próprio texto, mesmo que não perca muito tempo com acabamento: vai geralmente como veio. O tormento vem depois, mas passa. Passeios regulares no quarteirão com os cachorrinhos, mesmo tarde da noite. Tudo o que tenho de fazer fora é perto de casa e vou a pé. Finalmente, em qualquer circunstância, um cigarrinho, que ninguém é de ferro. E assim, quando me dou conta, a caminho rápido para os 76 anos, dois filhos bem crescidos, um enteado que mora, hoje, na Austrália, e três netos, sem contar os Poodles e o guaipeca Pelé, adotado há três anos.