ENTRE A CIVILIDADE E O COAXAR
Não me recordo bem ao certo (isto já faz muuuito tempo) se eu estava em Londres ou Paris (nas duas cidades ocorria o mesmo), os vendedores de jornais quase nunca estavam perto de suas mercadorias.
Deixavam em plena calçada, horas a fio, dia e noite, as pilhas de jornais sobre o balcão sem ninguém para cuidá-las. Junto aos jornais colocavam uma pequena caixa para o dinheiro, confiada também à custódia do público. Nela o comprador depositava sua moeda, depois de escolher honestamente o seu troco e deixando a nota quando necessário.
Foi num desses matutinos, adquirido numa rua de uma das duas cidades já mencionadas, após cumprir com a minha obrigação, foi que li o relato que segue:
"Era uma vez...
...uma Rainha que vivia feliz com seu Rei. O Rei era forte, valente e esportista. Gostava muito de caçar.
Seu Reino era muito bom e Ela muito boa.
Os dias transcorriam com altos e baixos como deve ser a vida num Reino. Tinham seu castelo, seus veículos, seus súditos e outros que tais que não vou descrever pois são muito complicados para meu raciocínio de plebeu Tupiniquim.
Por aqueles tempos, surgiu no Lago Real um sapo que coaxava dia e noite...
Era tanta a algazarra que, um belo dia, nossa bondosa Rainha foi até o Lago ver o acontecimento.
Lá chegando encontrou uma pequena multidão discutindo. Um grupo era partidário a que apedrejassem até a morte esse bicho barulhento e horroroso. O outro grupo, o dos simpatizantes, queria ouvir a música de seu coaxar pois fazia tanto tempo que não aparecia um sapo nas cercanias do Reino.
A turba, quando viu a Rainha, fez um respeitoso silêncio. Indagados sobre o sucesso, apontaram a causa do tumulto: o sapo.
a pedido de Sua Alteza Real (S.A.R.), o feioso animal foi capturado e levado à presença Dela.
Não se sabe ao certo o porquê, Ela se encantou com o horrendo animal. Levou-o ao Castelo e iniciou uma série de cuidados especiais para com a besta. Ele perplexo coaxava baixinho de satisfação.
Numa noite quente de verão, S.A.R. sonhou que seu protegido era um príncipe que fora encantado por uma criatura perversa, que o transformara nessa triste figura.
Acordou sobressaltada...olhou para aquele asqueroso ser, calafrios percorreram seu Real corpo que, entre fascinada e excitada, sem proferir palavra, aplicou um demorado beijo no pobre e adormecido animal...
Naquele instante, fez-se um clarão no aposento Real e. ....................
Não aconteceu absolutamente nada!
Ele continuou tão SAPO como antes; porém, oh! maravilha! Ele falava a linguagem dos humanos!!!
Ele não só falava mas, como falava!
Era tão sabido, sabia tantas coisas deste Reino e de outros Reinos passados...e vindouros também.
Nossa Rainha transformou-o (em segredo) em seu conselheiro particular.
Disseram que Sua Majestade estaria sofrendo das faculdades mentais.
Com o passar dos dias ela a p a i x o n o u - s e por essa desprezível criatura.
"Ele é tão inteligente!" dizia Ela com orgulho de amante.
Ele (contam) lhe falava de pântanos, noites, florestas, chuvas, outras vidas, outras formas de vidas, etc., etc., etc.
Ensinou-lhe que, Ela era uma Autêntica Rainha (do lar) e que seu Rei caçador não passava de caçador de rabo-de-saia e que também não passava de um tirano, que oprimia seus leais súditos e que mantinha-A enclausurada privando o Universo de tamanha Beleza e Bondade.
Cheio de cólera, El, conspirou contra seu Rei. Numa noite em que Ele usufruía uma presa de sua caça, alguns súditos leais à Rainha, invadiram os aposentos Reais e separaram a cabeça do resto do corpo do tirano.
Contam, os viajantes que visitaram aquele Reino, que existe uma Rainha demente que se diz casada com um com sapo quem, ela faz questão de afirmar, que é muito feliz.
O repórter, do matutino que adquiri nas circunstâncias já narradas, afirma que visitou o lugar onde se passa a narrativa, conta que Ela está disposta a abandonar seu confortável e luxuoso Castelo para viver no Brejo Real em companhia da nova família de Batráquios que adotou e, é claro, junto ao seu SAPO ENCANTADO.
Histórias...
de jornais e jornalistas...
sapos e rainhas...
bah!
Pedro Troche Gonzalez