ÁGUAS DE MARÇO
Vivendo a plenitude das águas de março que fecham o verão, vou me permitir esquiar um pouco no reino da fantasia. Se não tivesse vínculos familiares, inclusive fortes ligações caninas, não viveria no Brasil, ao menos no período entre dezembro e abril. Se o calor durasse, por exemplo, vinte ou trinta dias, seria ótimo, ficaria bem feliz. Sei que a maioria das mulheres, sobretudo, não pensa assim. Talvez seja pelo fato de serem mais magras, com menos massa, quem sabe pelo sabor da sensualidade inerente ao verão, não sei mesmo. Tudo bem, estou falando de mim, mas chamo a atenção para um detalhe: as mulheres ficam bem mais elegantes e atraentes no inverno. Por infelicidade, as mudanças climáticas estão diminuindo drasticamente os dias de frio com relação àqueles mais quentes. Lamentável, isto que nasci no primeiro dia do verão, sou asmático e tenho muita rinite. Mas nada mais estimulante do que um dia bem frio, sem chuva e sem muito vento, ainda que padeçam a careca e as orelhas - nada que uma touca de terrorista não resolva, nas situações mais extremas. Eu sei, eu sei, as mulheres ficam exuberantemente expostas no verão, as crianças mais à vontade, os velhos mais flexíveis e ativos, mas eu sufoco e, sem ar-condicionado, nem sei se estaria ainda aqui a escrever para os amigos. Antigamente, era melhor: três meses de calor, com uma breve recaída no célebre “veranico” de maio, e três meses de bastante frio; no mais, equilíbrio, segundo aprendíamos nas aulas de Geografia Geral. Atualmente, o clima anda por demais irregular, com ênfase nas agruras da estiagem ou nos horrores de enchentes e desmoronamentos. Até uma espécie de ciclone ou furacão já sofremos por estas bandas. Bem, em 1984, nevou em Porto Alegre e fiquei bem contente, mas, passado o tempo, perdi as esperanças. Praia é bom, sempre vou, mas não por período longo. É a alegria dos pequenos. Mas, vejam bem, não gosto de pescar, de excessiva exposição ao sol e não curto os esportes náuticos: o meu tempo era aquele da planonda de isopor e do "jacaré". Não me queiram mal, mas calor constante, próximo a 40 graus, não pode ser uma delícia. O gaúcho tem mais cara e jeito de inverno, com lareira, pinhão e vinho tinto. As águas de março me deixam, portanto, bem mais feliz e disposto.