Apenas uma caixinha de fósforos - Reminiscências de tempos bons
Por Valéria Gurgel
Hoje, lendo o blog de um amigo irmão, Leandro Bertoldo voltei trinta e sete anos atrás! E me remeti a uma linda lembrança que resolvi aqui contar em mais uma crônica! Aquelas reminiscências que se não escrevermos, um dia vão se apagando de nossas memórias os pequenos detalhes. E essa veio do fundo do baú heim?
Eu tocava e cantava na noite " nos bailes da vida, ou num bar em troca de pão"... como já cantava o nosso amado Milton! Tinha apenas 15 anos de idade e comecei em Raposos, cidadezinha pacata do interior das Minas Gerais , coladinha na nossa capital Belo Horizonte. Onde vivem até hoje os meus pais. Cidade essa, já sofrida pela intervenção dos processos da exploração complicada do ouro e do minério de ferro.
Desde então eu já tinha uma profissão bela; dava aulas de violão de dia e a noite levava a minha alegria através da música. Porém, um trabalho árduo, porque nem sempre "quem pagou quis ouvir! Era assim... Cantar era buscar o caminho que vai dar no sol... tenho comigo as lembranças do que eu era... Para cantar, nada era longe, tudo tão bom... Até a estrada de terra na boleia de um caminhão, era assim"... E era assim mesmo! E numa dessas noites de casa cheia, em um barzinho de um amigo já falecido, que era um tremendo cozinheiro, lembro como se fosse hoje, adentrou à casa um senhor alto, magro, elegantemente vestido, moreno claro, de bigodes e fumava um cigarro.
Quieto, só a me observar, tomando uma dose com gelo de sei lá o que, no canto próximo a uma pilastra que dava de encontro a uma janela pequena, já bem próximo do palco onde eu estava a tocar e cantar. Naquela época ainda era permitido fumantes dentro dos estabelecimentos, o que me fazia muito mal à garganta já cansada por várias horas de trabalho. Ele pegou a sua caixinha de fósforo e ali tirava todos os ritmos que eu tocava em meu violão! Samba, bossa, bolero, choro, marcha rancho, fox, baladas, pop rocks, jovem guarda, músicas de raiz... e isso para mim foi fantástico porque como me fazia falta uma percussão! Mas, eu só tenho duas mãos! Eu tocava e cantava sozinha, por mais de 5 horas imagina?
Esse senhor de nome Jairo me acompanhou por todas as vezes que ali toquei, todos os sábados de mês a mês, e olha, foi por muitos anos! Já ficava no palco ansiosa á espera de sua fabulosa caixinha de fósforos! Um dia, senti a sua falta ali. Vários sábados sem o batuquim bão de sua caixinha de fósforos. Somente depois fui saber que ele havia falecido! E de uma morte triste, uma doença terrível, ainda sem controle nos anos 80! Vê como uma caixinha de fósforo pode ser capaz de nos tocar a alma e o coração?
Deixo aqui um pedacinho de um sambinha interessante que ilustra e resume bem o nosso tema de hoje, interpretado por Mará do pandeiro, não sei quem é o compositor, e diz assim: - "É na caixinha de fósforo, ou pode ser na latinha, até panela eu aposto, para fazer meu sambinha"!
E é isso mesmo! Para ser feliz às vezes nos basta apenas uma caixinha de fósforo!!!
Leia também a crônica de meu amigo/ irmão Leandro Bertoldo
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