Pedras no lago
Eu voltava de mais um dia cansativo de trabalho, antes de ir para casa fui às margens de um pequeno lago que ficava em meu caminho, onde parava de vez em quando para admirar o crepúsculo e o vai e vem lento das águas tranquilas do lago.
Naquele dia, sentado na pedra que eu costumava sentar, estava um homem. Por sua aparência, julguei ter por volta dos cinquenta anos de idade. Sua face triste não deixava que eu percebesse mais nada além de sua infelicidade. O homem olhava para o vazio, o nada no meio do lago. Ao mesmo tempo, tinha nas mãos pequenas pedras e atirava, de vez em quando, alguma no meio do lago. Observei afastado, tentei imaginar o que se passava em sua cabeça naquele momento.
A tristeza que vi em seu olhar me fez lembrar da minha. Eu podia não saber exatamente o que, mas no fundo, eu sentia algo parecido. O cansaço e a correria tinham-me feito esquecer momentaneamente a minha dor, mas a dor daquele homem me lembrou da minha. Era um reflexo.
Cautelosamente, sentei-me ao seu lado, ao sentir o alinhamento dos nossos pesares ficando mais leve, tentei puxar assunto:
Este lago é muito bonito, não é?
O homem olhou-me, sorriu discretamente e respirou fundo. Após fechar, por alguns milésimos, os olhos, me encarou e disse:
Sim, é muito bonito. Mas a sua beleza nem se compara à reflexão que ele me transmite. Como se apenas esperasse alguém, para ouvir o que ele tinha a dizer.
Ouvi em silêncio, então ele continuou:
Este lago é como a vida, de acordo com o movimento ao redor, se modifica. Se o vento sopra, ele se move. Se tudo está calmo, permanece parado. Tudo depende do que acontece com ele, para que ele se mova, ou permaneça como está. Ele responde ao que lhe é oferecido. Pode ser vazio, morto ou cheio de vida.
Refleti um pouco e perguntei:
Se a vida é como este lago, o que seriam essas pedrinhas que o senhor atira nele?
Podemos compará-las com os presentes, bons ou ruins. É tudo aquilo que cada um de nós recebe do mundo e das outras pessoas. Cabe a nós decidirmos o que faremos com estes presentes. Cabe a você decidir se vai receber de braços abertos e fazer com que durem para sempre ou se vai deixá-los afundar e se perderem lentamente, como no lago.
Surpreendido com a resposta, questionei:
Mas e as coisas ruins?
Como se já preparado para a pergunta, ele respondeu:
Nada pode ser totalmente ruim. Devemos tirar o melhor de tudo o que nos é ofertado.
Como assim? É possível obter alguma coisa positiva das coisas ruins que nos acontecem?
Se você for sábio o suficiente, sim. Você pode construir a sua própria felicidade com o que você recebe do mundo, guardando e desenvolvendo somente aquilo que realmente lhe fará bem, tirando lições das experiências ruins e dos erros cometidos. Não deixe que seus erros, ou mesmo as coisas ruins que as pessoas fracas lhe oferecem consigam destruir a sua felicidade.
Aquelas palavras tocaram profundamente o meu coração, mas eu não aceitava que achava naquele homem uma resposta que fizesse sentido para abrandar a minha dor, e continuei a questioná-lo, na esperança de que vacilasse e eu, com meu ego alimentado, me sentisse melhor:
Como o senhor pode falar de felicidade? O senhor parece estar tão infeliz agora mesmo.
O homem deu desta vez um belo sorriso e falou:
Eis aqui um exemplo vivo do que eu acabei de lhe falar. Estou infeliz hoje, é verdade, pois eu fiz algo que me arrependo. Mas é através desta infelicidade que eu posso ver com paciência o erro que cometi e o que fiz para recebê-la. Eu a mereci, mas aprendi com ela. Da próxima vez que eu me deparar com situação parecida, saberei o que fazer, não cometerei o mesmo erro e não serei mais infeliz.
Aquelas palavras me surpreenderam, vi nos olhos do estranho segurança, sabedoria e fé. Assenti discretamente com a cabeça, e voltei para casa, sem dizer mais nenhuma palavra. Estava mais leve, livre do peso de meus problemas.