O TEMPO E O VENTO

Se você gosta de história, a vida de uma pessoa de setenta, oitenta anos ou mais pode ser uma descoberta, um aprendizado, uma ponte entre o plano mágico de um mundo distante, literário, e a realidade agitada, com todas suas banalidades, incômodos e também momentos de grandeza. Para os bem jovens até pode ser uma surpresa, especialmente porque é um “link” entre um universo antigo, quase irreal, e a diversidade vulcânica e movediça do presente - a vida no olho de um furacão cósmico. Na verdade, tudo é passado, lembranças cada vez mais imprecisas, emoções difusas e o desafio maravilhoso de viver o agora, construindo e reconstruindo um amanhã. Todos vivem muitas vidas. A cada quadra do destino, somos convocados a tomar decisões, a mudar as coisas, a recompor os fragmentos dos conflitos atravessados, a reunir os pedaços que fomos perdendo ou que nos foram arrancando aqui e acolá. Como água corrente de rio, a toda hora somos outra pessoa, embora aparentemente nada mude. Por isto, é um tanto frágil a consciência do envelhecimento. É difícil perceber a sutileza dos detalhes na velocidade dos acontecimentos, assim como não se percebe o ferimento no calor da batalha. O tempo é um sopro enganador: você passa 10, 15 anos afastado de alguém, de um lugar, até de certo bem, e, após o reencontro, parece que o tempo não passou. A saudade se esvai e a sensação de intimidade e recuperação preenche os vazios do afastamento. O que é temporário, afinal? Um dia, um mês, um ano, 10 anos? A vida toda é temporária, inclusive a eternidade. Não temos a capacidade de compreender o eterno, por sorte, salvo os arrogantes – eternamente enganados. A melhor idade é aquela que está por vir, afinal, as outras já passaram e não adianta chorar o leite derramado. A experiência acumulada pelos anos pode ser apenas um conjunto inservível de repetições, mas o super-homem que tudo pode e tudo sabe não passa de caricatura de uma fase infantil. Ser velho, por si só, não significa grandeza, pode ser mero bônus genético. A sabedoria da vida está na reflexão, na capacidade de compreender o efêmero, de acompanhar o ritmo da humanidade, o fluxo da vida, a beleza de projetar constantemente o futuro - nem que seja tão-somente um sonho ou uma página de literatura. Celebridades de ontem são ignoradas pelas gerações mais novas; aquele sujeito muito rico e poderoso de antanho faliu, foi pra cadeia, faleceu, virou pó. Se não constituiu família, é apenas um espectro, a sombra de uma inexistência. O vento que sopra agora, como força anímica, embala as nossas quimeras e os planos do amanhã. É o vento da esperança, da solidariedade, do amor e da fantasia. É a força do futuro agindo sobre nós: o tempo e o vento.