VIVER TAMBÉM É ATO DE FÉ

Quando tinha dezoito anos de idade, em função de alguns exageros, repeti o histórico de forte inflamação de garganta, desta feita atacada por “Staphyloccocus aureus”. Muito antibiótico e cama. Mas, sabem como é, lá pelas tantas, não resisti e fui ao cinema com o brotinho. Chovia e havia fila no Cinema Vitória, perto de casa. A doença agravou-se. Poderosas doses de antibiótico precisaram ser ministradas. De repente, injeções ou batidas mais fortes geravam hematomas, sinal de baixa coagulação sanguínea. O médico, que atendia o Presidente da República, igualmente, colega e amigo do pai, fez vários exames e a conclusão foi desenganadora: estava com leucemia. Fiquei, então, por dois dias, com o pé na cova. Sentia a tensão e o desespero dos pais, que discutiam na sala com porta cerrada, mas não me enganavam. Meu avô José Simões de Matos, espírita, veio visitar-me para uma conversa especial, em que falava em desencarnação e nas venturas de outra vida ainda mais evoluída. Eu tinha total compreensão do que se passava e a mais absoluta convicção do engano em que os familiares incorriam. Nada me abalou, agradeci as palavras sentidas e profundamente amigáveis do avô, mas o que me interessava mesmo era passar de ano, pois o vestibular se avizinhava. Fé, convicção, autoconfiança, chamem isto como quiserem. Os pais providenciaram uma junta médica para definitiva avaliação. Novos exames de sangue. Ao final, a conclusão foi de que se tratava de uma discrasia sanguínea, no caso uma púrpura trombocitopênica, possivelmente pelo excesso de antibióticos injetados. Valeu-me um mês de cama, mas passei no curso clássico e no vestibular da UFRGS. Jamais pensei no pior, nem de longe.