Moça caminhando na praia
Um homem e um cachorro caminham na praia. O homem atira um pedaço de pau, o cachorro vai buscar. Repete a brincadeira, uma, duas, dez vezes. Não contei, mas vai bem dez vezes. Nesse joga e busca o pedaço de pau, o homem se aproxima e eu vejo que não é um homem, mas uma mulher. Bem que eu desconfiara, mas uma mulher não caminharia sem camisa na praia. Agora eu vejo que a moça – não era muito jovem, nem era bela, mas era uma moça – estava vestida com uma leve blusa azul, de um azul cor de anil, de um azul cor do céu. O azul das ondas do mar misturado ao azul do céu certamente me confundira, e eu não vira blusa nenhuma.
Vou aproveitar que falei também em céu, e preciso lembrar que o céu estava lindo, mais que lindo, deslumbrante. O azul do céu estonteava, tão brilhante. Era como se fizesse ondas, acompanhando as ondas do mar. E então vinham as nuvens, uma festa para os olhos. As nuvens, como costumam fazer, desenhavam figuras no céu. Um carneirinho chorava a mãe distante. Um elefante pequenino, muito pequenino, estava perdido entre as nuvens indiferentes. Abria a boquinha para chorar, mas como será o choro de um elefante? Onde estará a mamãe-elefante? Eu me lembro de que aprendi no ginásio que o feminino de elefante é aliá. Aliás, será mesmo? Desconfio de tudo que aprendi antigamente, e os meus bancos ginasiais eram muito antigamente.
A moça já está bem próxima para eu ver que ela não é bela, nem bela nem feia, mas a sua face brilha ao sol. Ela não sorri, mas aposto que está feliz. Passa as mãos pelos cabelos, curtos, negros, soltos com uma displicência e um à-vontade que só faz sorrir. Não digo que faz sorrir encantado, porque certamente eu não estava encantado, mas estava me divertindo.
O cachorro late para a moça, ela faz que não escuta, uma, duas e três vezes, depois late de volta. Eu não estava perto o suficiente ainda, mas juraria que ela estava latindo, juraria, se não soubesse que moças não latem. Ela por fim jogou o pau para trás, o mais distante que pôde, o cachorro latiu pedindo mais, e ela jogou outro pedaço de pau para trás, para mais longe. O cachorro latiu feliz, latiu, latiu. Depois foi buscar o pau balançando o rabo, balançando o rabo ao sabor das ondas. Foi buscar os paus, correndo e latindo de felicidade. A moça não estava sorrindo, mas estava feliz, aposto que estava feliz.
Discutem tanto sobre o que é a felicidade, o que é preciso para nos tornarmos felizes, e não são capazes de ver. Olha aí, a felicidade é uma moça e um cão andando na beira da praia. A moça nem precisa estar sorrindo, pode até estar de cara feia, e o cão pode babar feio como o cão do Cão, mas aqui, hoje, nesta praia de areias claras, visitada a todo momento por umas águas claras, fazendo espuma, e coberta por um céu azul com nuvens brincalhonas, aqui e agora ninguém precisa definir o que é a felicidade. E se você ainda não se deu conta, vou lhe contar o segredo: a felicidade não é uma moça andando na praia com o seu cachorro, a felicidade é olhar a moça e o seu cachorro.
Agora os dois estão muito perto e eu posso ver que o cachorro é feio e a moça é feia. E nem parecem felizes. Um pássaro abre as asas sobre nós, tem as penas quadriculadas, por onde passa o sol. O pássaro grita. Vai e volta várias vezes, como se estivesse brincando, como se estivesse festejando. Como se estivesse me contando a sua verdade essencial. A felicidade é a beleza do sol, da tarde, das águas e das areias, é uma moça com o seu cão, é um sentimento de ausência e de plenitude – diante dele você só quer parar, estufar o peito, repleto. Nem precisa responder repleto de quê, você não precisa mais ter respostas, a vida não precisa mais fazer sentido, olé. A vida é como um touro na arena, olé. Chega um momento em que você não precisa de mais nada.