MANHÃ DE DOMINGO

Manhã de domingo linda e fresca. Alegre era o repicar dos sinos da Igreja - uma arquitetura que parecia imponente, com sua longa e desafiadora escadaria. Pessoas muito arrumadas, homens de ternos escuros, alguns listrados, que até pareciam pijamas de festa; mulheres cheirosas com penteados exóticos, vestidos adequados, mas sedutores; meninas, todas elas, com vistosas saias rodadas, viçosas, magníficas em sua feminilidade desabrochante. Deslumbrantes sorrisos juvenis. Aroma de jasmim. Havia duas loirinhas, talvez gêmeas, ao menos irmãs: olhos claros, jeito inocente de quem provoca sutilmente. Havia outras tantas mais, lindas, sempre lindas, distantes, inalcançáveis, ao lado dos pais circunspetos, que lentamente subiam a lomba e, degrau por degrau, formavam a grande procissão para a missa anunciada e obrigatória. Depois, olhares furtivos e profanos no ambiente sacro. Posturas eretas, elegantes, vozes harmônicas e potentes entoando hinos em louvor ao Senhor. Confissão, comunhão e a liturgia pagã e inevitável dos olhares clandestinos; preces ao som do “Queremos Deus” e pensamentos maculados por emoções absolutamente terrenas. Uma perna - no máximo até joelho -, um braço desnudo, um pezinho atraente e delicado, um nariz empinado e as saliências encobertas do corpo feminino inundando a catedral da fé. Coração acelerado, feliz de amor divino e dos pequenos e imaginários deleites da carne. Hinos religiosos cantados a plenos pulmões, templo lotado, lá fora o sol brilhando, cheio de promessas e esperança. Nada podia ser pecado. Nem mesmo uma fugaz e incontrolável ereção. Deus, afinal, era perdão e amor, numa cidade pequena, simples, feliz; uma gente bonita e vigorosa. Devaneios juvenis sem limites e sem fim. Nem o sermão do padre, com seu vozeirão ameaçador, contaminaria toda a beleza daquele instante mágico. Em breve, a bênção e a saída, as meninas desfilando, a tentação nas calçadas da cidade acolhedora, o encontro com os amigos e a expectativa de alguma coisa imprecisa e deliciosa que as manhãs de domingo costumavam engendrar, naquele interior dos anos 50.