Imagem que me inspira
Há alguns anos, quando estava junto de meus alunos, no processo aprendizado-aprendizado, pois aprende-se mais, quando se ensina, um dos conteúdos mais apreciados por mim, era a diversidade da Linguagem - a cereja da comunicação estava na linguagem não verbal: a expressão facial de meu pai, sem dizer uma palavra sequer, ao nos repreender, os slogans, as cores dos semáforos, a sinalização através de símbolos de nossas precárias rodovias, as fotos que esperávamos dias para serem reveladas. A singularidade de cada olhar na contemplação de uma imagem a mim muito me encanta, por sua infinitude - somente aquele que a contempla, guarda consigo as confidências recíprocas. Ao ver essa imagem, postada em meu texto, uma cachoeira de pensamentos aflorou-se em mim, cedendo espaço a um riacho cristalino - símbolo do universo de qualquer menino! Transportei meu olhar às crianças de nosso país, que um dia, tive a oportunidade de observá-las: amazonenses, alagoanas, os dois meninos sergipanos nadando com destreza na imensidão daquele rio, a criança baiana dançando no Pelourinho, o menino potiguar, narrando com maestria sobre o maior cajueiro do mundo, as nossas crianças mineiras que definem tudo como trem, menos o trem - e por aí vêm tantas outras que migram para a rua - verdade nua e crua!
Ainda viajando na primeira classe dessa imagem, imaginei o quão orgulhosos estão os familiares e professores do pernambucano Wellington Gomes, filho de um cortador de cana-de-açucar que pedalava 24 quilômetros para ir à escola e 24 quilômetros na volta para casa - percorrendo também outros tortuosos caminhos até se formar em Medicina, nesse conturbado ano de 2021. Esse pernambucano ilustre, assim como seu pai, foi cortador de cana-de- açúcar e felizmente destoou do sábio, atual e oportuno poema do letrado Ferreira Gullar, o qual transcrevo a seguir:
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça,
água na pele, flor
que se dissolve na boca.
Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
"...Homens de vida amarga e dura produziram este açúcar..." - Esses versos do poeta, só multiplicam minha admiração a todos aqueles que têm a doçura na alma: navegam horas a fio, driblam os verdadeiros tiroteios, esquivam como malabares dos lamaçais nas estradas, resistem às indiferenças do Poder Público, desta nação, assustadoramente desigual. Posso sentir o aroma da sensibilidade daqueles que conduzem esse quilate do saber aos pequeninos do nosso país continental , com a confiança plena de que cada parágrafo apreendido, nunca termina - fica guardado consigo...