VICISSITUDES DA IDADE

Qualquer faixa etária apresenta obstáculos que nos desagradam, dentre tantos encantadores, que, muitas vezes, pouco valorizamos. Coisas da vida. Devo me ater, agora, àquela faixa entre setenta e oitenta anos, talvez mais complexa em seus aromas e sabores. Supondo naturalmente saúde, é um tempo de várias gostosuras e enlevos: com esposa, filhos, netos, independência econômica e pessoal, liberdade, bichinhos de estimação e outros desfrutes, que se alcança com o fluir do tempo e de muito trabalho. Inclusive a saudável preguiça, a boa mesa e vinhos tintos qualificados. Tudo verdade, mas um tanto de fantasia e expectativa no panorama. Todos têm suas próprias vidas e ritmos. A sua, a nossa, dança é diferente, eventualmente em outro salão. Parentes próximos ou distantes estão a enfrentar seus peculiares desígnios; você, aposentado e livre, eles não ou com prioridades diversas. Os amigos, resistentes e poucos, são para escassos momentos. Tantos já partiram precocemente, que, não raro, você até parece um estranho no ninho, deslocado no tempo, quase como se pedisse carona. Existem sempre pessoas e coisas boas nas cercanias, mas a sua sensibilidade é mais delicada ou, quem sabe, não possui muita sintonia com o novo mundo. Isto não é tão estranho, aliás, tende a ser comum. Você tem os anos 60 muito vivos na memória, mais do que isto, na alma. A maioria das pessoas de sua relação acha a época interessante ou curiosa como fato histórico. E só. Você é mais lembrado nas datas e eventos tradicionais, pois o mundo é cada vez mais absorvente e complicado para todos. Não há como ser diferente. Então, voltando à questão fundamental da faixa etária, são inevitáveis os momentos de tristeza na dinâmica factual, nesta faixa afunilada de tempo. Nada grave, plenamente compensável, mas absolutamente real. Cada um resolve a seu modo, mas acho importante frisar que tais penumbras existem, inevitavelmente, creio. Eu até que me divirto bastante, mas já observei diversas vezes nuvens um tanto cinzentas no olhar dos mais velhos. Aproveitemos o bom.