Tal Pai tal Filha
Crônica (in memoriam)
Meu pai era um nato contador de histórias e do mundo das artes. Sabia tocar, cantar e recitar. Nas madrugadas fria e serena do Agreste pernambucano, sentava à beira do fogão de lenha onde traçava os roteiros, criava enredos e personagens. Não sei se viveu tudo que contava. Acredito que não. Descrevia os lugares de forma detalhista. Como não sabia escrever, narrar — contando em voz alta — era a melhor forma de expressar aquela habilidade de narrador. Descrevê-lo é como descrever um pouquinho de quem eu sou. Hoje tenho uma versão dele mais real e menos idealizada. Ele conseguia suspender o mundo concreto — aquela situação de pobreza econômica em meio à seca e ir para o mundo imaginário — aquele sendo possível. Uma forma de poder colocar para fora todas as opressões que os camponeses pobres no Brasil passavam/passam diariamente nas mãos daqueles que possui à terra e a água.
Meu pai dava gargalhada — “sozinho”. Às vezes tentava interrompê-lo e ir junto. Sem exceto. No fundo, apenas queria que sua filha descobrisse sozinha. Simplesmente fantástico. Nunca foi perfeito, errou muito e acertou. A memória da minha infância junto dele é muito viva. Com aquele jeito amoroso, paciente e brincalhão. Quando me observava silenciosamente, para provocá-lo eu perguntava se queria uma foto. O encanto aumentava… sabia como devolver a incitação com afeto. Ele dizia que eu tinha algo especial, “uma estrela que brilha digna de uma poesia recitada”. Eu e os meus irmãos, quando criança comia todos juntos no prato dele, era mais gostoso. Coisas simples assim tem uma magia. Hoje sou aquilo que sempre desejou viver. Não sei tocar e cantar como ele. No entanto, a habilidade de contar histórias através da palavra escrita é a minha arte.
Crônica escrita no dia 24 de setembro de 2021, revisada para o Dia dos Pais no ano de 2022.