Luz dos Arrebaldes

Sabe meus amigos, quando não tenho o que fazer e os netos estão, devidos alimentados e limpinhos, (como bom ambientalista, não uso fralda descartável; prefiro recorrer ao velho e saudoso cueiro de pano) vou para a varanda contemplar a inocuidade da vida. Isso mesmo: deleito-me em confabular com a inocuidade teatral de todo, ou quase todo dia.

E eis que na tarde de ontem, os colibris circulavam pelo amplo corredor em "L", à procura de açúcar nos dispositivos de plástico.

Os fofuchos esquilos apostavam corrida nos fios de eletricidade. As abelhas zumbizavam nos pés de árvores floridos. Banhado com o brilho do sol, espetáculo de luzes e cores.

Rabisquei versos retos:

Do interior da moita de bambu,

Eclode o solene gorjeado,

Do solitário sabiá.

Melódico:

Ouvir a algazarra dos pássaros no romper da aurora, é inspiração motivadora para viver mais um dia assoviando,

Caminhando,

Enaltecendo,

Renovando,

Orando,

Agradecendo;

por que a saber, dos pássaros, a depressão voa longe.

Em reflexão profunda e tomado pela sensatez, Eu existo para facilitar e ao descobrir que formigas degustam, adoram miolo de pão morninho ao ponto, mandei o padeiro miliciano Tamanduá fabricar uma padaria, bem em frente ao buraco dElas.

Assim, evito que o comboio caminhe longa distância em fila indiana, para traçar as hortaliças; que por serem orgânicas, demoraram meses e meses para chegar ao ponto de colheita.

Voltei rabiscar outro verso, este, torto, claudicante inverso.

Rio Doce:

Empunhando a mala,

Vai Mariana,

Rolando na lama.

P.S.: precisou Eu morrer para descobrirem que não valho um vintém.

Planejamento e metas estabelecidas, voltei à rotina do dia. E fui escolher feijão para deixar de molho. Selecionando-os, pensei que estou longe de ser ordeiro e disciplinado no fazer coletivo, como as formigas. Aliás, não atinge esse estágio nem na realização das tarefas individuais.

"Se não conseguir ser como Elas amanhã, pelo menos tentarei ser melhor que hoje." - escrevi na folha de papel e colei-a na porta da geladeira.

Não havia mais luz natural, fato que obrigou-me a acender as arandelas e lampiões. Não é meu caso, mas para a maioria, a peça teatral da vida encenada à noite, com a ribalta apagada, amedronta. Aterroriza!

O iluminado não difunde a sombra, mas divide a luz com todos.

Feliz é quem levanta cedo, bota o embornal no ombro, vai para o trabalho, dá a maxima e melhor contribuição na produção coletiva.

Certamente, esse dadivoso Ser, ao chegar em casa à boca da noite, após tomar banho e jantar, deitará a cabeça sobre o travesseiro e orará em agradecimento pela saúde e inteligência; atributos os quais, Ele nada seria.

O trabalho realizado naquele dia, foi trabalhoso, mas não lhe deu tanto trabalho.

Em contrapartida, para os adeptos da lei do menor esforço, trabalhar dá trabalho; e se não bastasse, encontram dificuldades, até nas facilidades.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 31/10/2021
Reeditado em 10/11/2021
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